SOBRE CEGOS, SURDOS E MUDOS
Houve um tempo em que do terreiro de casa eu podia ver a grandiosidade do pico.
Passava horas observando, achava uma rara beleza aquele cume entre as montanhas. Não havia quem não o avistasse de longe. Bem longe.
Um dia acordei e pareceu-me estar em terra estranha. Olhei por todos os lados e não mais vi o pico.
Como pode ter sumido assim num passe de mágica. Olhei mais uma vez. Certifiquei-me, o pico não estava lá.
Como pode um povo não dar conta de que o monumento mais importante de sua cidade, aquele que podia ser avistado de léguas distantes, que era o marco do lugar, como deixaram sumir assim sem nem notar.
Eu, um estrangeiro havia notado e sentia algo estranho no ar, ou melhor, a falta de alguma coisa notável.
Ninguém dizia nada, as pessoas pareciam não ver o que acontecia, e se algo a respeito fosse dito, fingiam não ouvir.
Assim se foi também a serra imponente, o poeta mundialmente reconhecido, ao qual agora exploram sem escrúpulos alguns interesseiros, enquanto tantos outros artistas talentosos enferrujam e desistem no meio do caminho, diante da indiferença dos detentores do poder e da grana que a todo poder ostenta.
Até quando vão glorificar os mortos enquanto esperam que os vivos sucumbam para só então, se já forem famosos venerá-los. Não para dar dignidade a eles, mas para destes tirar proveito.
Os olhos, vendados se fecham, os ouvidos são obstruidos e as bocas amordaçadas pelo mísero cala boca.
Artistas vagam catando ninharias que às vezes lhes são atiradas: Ao chão, é claro.
A cultura definha, quase morta por entre as montanhas de Itabira, e poucos erguem a voz e proferem um grito de alerta.
O parco dinheiro silencia o povo, enquanto compra sua honra, seus sonhos, seu silêncio e seus ideais.
Nossos filhos e netos serão meros escravos dessa ilusão sórdida, que em troca do sustento abandonam toda uma vida pela estrada.
Fica o grito renitente... Se é que será ouvido.
E até hoje tentam decifrar o enígma do poeta ter ido embora... Como se houvesse um mistério profundo em torno da sua partida.
Saulo Campos-Itabira MG