A última sessão de cinema

Sirvo-me do titulo do filme clássico de 1971 para homenagear os cinemas de rua, hoje um programa em extinção, mas que traz lembranças e saudade para várias gerações. Como alguém já definiu, o primeiro cinema a gente nunca esquece! Pura verdade! O cinema atualmente é quase sinônimo de shopping center. Você não vai ao cinema com a sensação de um programa único e exclusivo. Hoje, as salas, na sua grande maioria, estão nos shoppings e na imensidão de luzes, lojas e fast foods os cinemas se diluem.

O primeiro cinema a gente nunca esquece! Por isto, pensar nas tardes de domingo da adolescência me remete ao cine Itabuna. O Marabá, o Plaza, Catalunha, Oásis, e até mesmo o Santa Clara, em Ilhéus, também faziam parte do meu roteiro, mas nenhum substituiria em imagem e importância o cine Itabuna.

Por conta destas recordações, ir hoje a Itabuna e não passar em frente ao local onde ficava o cinema é ato impensável. O cine Itabuna era o meu predileto. Nas tardes de domingo, mas, também, nas matinées de segunda, terça, quinta, qualquer dia da semana em que não houvesse aula ou prova marcada. Como posso deixar de expressar emoção e esquecer se acho que até amadureci dentro daquela sala de cinema? E, perdoem o galicismo, mas a sessão da tarde era expressa assim, até nos cartazes de rua, com o charme do francês, matinée.

Quando tinha idade mais tenra, algumas horas antes da matinée de domingo me reunia com outros garotos, na porta do cinema, para troca de revistas e gibis. As minhas, de Rock Lane, Roy Rogers, Fantasma ou Superman, novinhas e lidas com cuidado, eram cobiçadas e eu trocava fácil; duas por uma. Assim, fui crescendo com o cine Itabuna e, magicamente, me transportando para o oeste americano, para as selvas da África, para o deserto do Saara, para as ruas de Nova York ou canais de Veneza.

Foi por intermédio dele que conheci Doris Day, Marilyn Monroe, Elizabeth Taylor, Rock Hudson, Jerry Lewis e Marcello Mastroianni. Brigitte Bardot eu vi só nos cartazes, pois a censura rígida não me deixou entrar, quando tentei assistir “E Deus criou a mulher”.

À medida que eu crescia, deixava de trocar revistas, mas o cinema continuava a ser ponto de encontro. Eu não cheguei a aproveitar o seu escurinho para namorar, mas foi lá que me apaixonei por Doris Day e Sandra Dee, levando grande desvantagem em relação a Rock Hudson, sempre ao lado das duas. Era uma época de sonhos; sonhos em Technicolor. A gente era inocente, a gente sonhava, a gente sorria e a felicidade parecia vir a galope em nossa direção quando estávamos dentro daquele cinema.

Meu pai era viajante, representante farmacêutico, e embora eu viajasse sempre com ele para Salvador, Rio ou São Paulo e freqüentasse outras salas, o cine Itabuna era o meu favorito. Não havia luxo, escadarias, mármores, nem vitrais coloridos. Tudo era simples, mas com uma programação que nos cativava, trazendo-nos tesouros em forma de imagens.

Hoje, sinto falta dos cinemas nos moldes de antes, os cinemas de rua, e só vejo os lançamentos ou revejo meus filmes prediletos em DVD. O mundo se movimenta e muitas coisas relativamente simples, e poéticas, se perdem ou saem de cena. Mas as emoções persistem e muitas emoções eu vivi, como diz Roberto Carlos, nas matinées do meu cinema.

Outro dia fui a Itabuna e vi que o meu cinema preferido não mais existe. Uma pena que, mesmo testemunhando as bravuras indômitas de John Wayne, Alan Ladd ou Gregory Peck, se rendeu ao progresso e foi conquistado por uma igreja.

Ygor Coelho
Enviado por Ygor Coelho em 11/11/2012
Reeditado em 11/11/2012
Código do texto: T3980160
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