FAZER O BEM, OLHANDO A QUEM...


Meu pai era uma pessoa de princípios rígidos. Não tolerava brincadeiras de mau-gosto. Respeitava a todos, mas também exigia respeito. Ficou órfão muito cedo, aos quatro anos de idade. Um dos meus avós adoeceu e, ao partir, levou o parceiro que não suportou tanto desgosto.

Assim sua infância foi muito difícil; mas batalhador desde criança, venceu todas as dificuldades. Não só as venceu como tornou-se uma pessoa muito solidária. Nunca negou “pão” a quem viesse lhe pedir ajuda.

Outra característica sua era o carinho muito especial pelos animais. Lembro-me que na nossa casa tínhamos passarinhos, papagaio, piriquito e tudo mais...

Mas papai não teve muita sorte com as aves. Os passarinhos morreram e o papagaio que lhe dizia todas as manhãs: “Papai, quero café” fora roubado.

Muito desgostoso, meu pai resolveu, então criar cães. Nós tínhamos três: Duque, o mais velho; Pitoco (tinha esse nome porque tinha um toco no lugar do rabo); e o Mick, mestiço de Fox, e o meu predileto, pois me cativava pela sua alegria e agilidade.

Era meu pai quem comprava a carne para todos eles e ele mesmo quem a cozinhava. Na hora de distribuir a comida era uma fulia... Ele adorava alimentá-los e sair com eles à rua, soltos... Eles pulavam de alegria em volta do seu dono, que tanto amavam... As pessoas olhavam curiosas... porque passear com cães não era comum, naquela época. Mas meu pai sempre teve seus próprios hábitos e, junto aos seus animais parecia feliz como uma criança.

Seguia pela nossa rua caminhando, os passos firmes e o olhar indiferente à curiosidade alheia. Àqueles que se arriscavam a dizer alguma brincadeira inoportuna, ele apenas respondia que nos animais ele encontrara mais amigos do que nos humanos. E o assunto se encerrava.

Tínhamos uma vizinha, pessoa de poucos recursos, que também possuía um cãozinho: magrinho, mirrado, com cara de fome. Apiedando-se dele, meu pai chamou a vizinha, alertando-a, inconformado, sobre o estado do cão. Ela alegou que só podia oferecer-lhe feijão com arroz.

Meu pai entrou em casa como um foguete e pôs a carne dos cachorros para cozinhar. Depois de fria, ele voltou à casa da vizinha e ofereceu pequenos pedaços ao cachorrinho, que queria sempre mais. Ele nem mastigava, engolia os nacos sofregamente...

Radiante pela boa ação, meu pai falava: “Você não vai mais passar fome... de agora em diante vou cuidar de você”.

Mas qual o quê!... Na manhã seguinte, quando foi procurar seu protegido, o bichinho estava inerte, sobre o solo do jardim, as perninhas para cima... Parecia uma baratinha! O pobre havia morrido de tanto comer...

Bem, eu acho que vocês podem imaginar como meu pai se condoeu diante do resultado tão infeliz do bem que ele tanto quis fazer!

 
 

Ao meu saudoso pai, amigo incondicional dos animais.

Nair Lúcia de Britto
Enviado por Nair Lúcia de Britto em 08/11/2012
Reeditado em 13/11/2012
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