Sem tempo para o amor

Deitados lado a lado eles conversam.

A voz dela delicada e baixa demonstra o medo que sente naquela situação nova pra ela. Ele calmo, tenta transmitir-lhe tranquilidade com um sorrido compreensivo e gentil. Falam de coisas corriqueiras; ela pelo medo, ele pra assegura-lhe paz.

Após um silêncio, ela num hausto diz-lhe que está pronta. Quer dar-se a ele. Ele olha calmo, percebe-lhe a tensão e delicadamente vai descendo a mão do seu rosto, passando pelos seio, onde sente a respiração dela suspender. Olha-a no rosto e cuidadosamente desce a mão. Sente a prespiração dela prender de novo.

Sua mão pára e torna a movimentar-se com suavidade descendo. Na altura do umbigo, percebe que ela tem olhos arrgalados e e respiração ainda suspensa. Ele retoma o movimento e ela abruptamente prende sua mão. As mãos dela parecem garrras prendendo fortemente a dele. Ele sorri delicadamente passando-lhe confiança. Ela solta a mão dele e ele volta a tocar-lhe o rosto. Alisa uns fios soltos da franja, seca o suor da testa dela e retoma a conversa.

Ela, já calma e sentindo poder confiar nele, arremeda um sorriso e aos poucos retomam um diálogo.

O frio lá fora aumenta. Ele vai sair da cama e ela pede-lhe que fique. Ele sabe que é só isso, mas sente um grande passo nesse pedido. Seus olhos se encontram. Há amor entre ambos e não há necessidade de muito mais. Deita-se ao seu lado. Dormem.

Amanhece e ela acorda, sentindo frio. Queria tê-lo ali, mas a cama está vazia. Senta-se e ao lado da cama há uma tigela tampada com sopa quente, uma laranja e um pacote em papel de seda com laço e uma flor. Ela sorri daquilo. Ela o desenrola com cuidado, há um segundo pacote, e pelo cheiro, ela se espanta, afinal aquilo é subversão e ela poderia ir pra cadeia por aquilo. Abre, retendo até a migalha que lhe cai no colo, e sente o cheiro abismada. Pão ali é caríssimo, não há trigo no país e pão é comprado no mercado negro; aquilo equivale a um anel de noivado.

Sabe o que aquilo custou. Mais do que muito dinheiro, o perigo. Come com uma prece e saboreia de olhos fechados, enviando a ele seu amor, a cada bocado do pão.

Depois daquele prazer inimaginável e proibido, olha no primeiro papel, de seda rosa e percebe o bilhete na letra miuda dele. É uma despedida. Ela levanta de um salto, com o coração apertado.

Sai à sua procura. Ele não retornou ao hospital onde deveria internar-se. Ela retorna ao quarto e cheira o travesseiro onde a cabeça dele repousou. Mais do que o cheiro dele, ela sente odor dos remedios que ele está usanndo. Seu coração se aperta, pois sabe que precisa vê-lo.

Meses se passam, em que ela busca por ele em todo lugar, sem resultado.

Ela está trabalhando quando um desconhecido vem buscá-la. Com a noticias, ela já vai aos prantos.

Entra no hospital. No leito rodeado por familiares, ele está.

Todos se afastam e dão a ela um momento de privacidade com ele. Ela chora, se declara, faz juras de amor, cobra o retorno dele, faz promessa, pede, exige, grita e torna a chorar. Percebe a respiração dele altera-se um pouco, lágrimas descerem e então o fim. Ele se deita ao lado dele e chora copiosamente. Nunca mais chorará em toda a sua vida.

Décadas depois, seus filhos e netos atestam isso. Ela não tem lágrimas e nenhum deles sabe onde e quando essa fonte secou, assim como não entendem o fato dela não comer pão. Só uma vez ao ano, ela compra um pão, enrola em papel de seda e espera uma certa hora. Então no seu quarto, senta à mesa, desfaz o pacote e come cada bocado como uma oferta de amor. Esse ritual é sagrado e ela abre seu cofre, com as jóais dadas pelo querido marido já morto e dele retira um papel rosa bem amassado, que tem mais de meio século. Nele ela lê:

“Não posso te esperar mais um ano meio. Não poderei esperar até teus vinte e um anos, mas te esperei a vida toda. Com amor. João” .

Dobra o papel, guarda de volta. No seu testamento, deixará alguns bens e muitas jóias com que o marido a presenteava. Mas este tesouro, ela já deixou designado que deve ser cremado com ela e suas cinzas irão pra sua pequenina cidade natal, junto à um certo rochedo no alto da ilha.

Sabe que seus filhos obedecerão, embora não entendam o porque disso e nem conheçam o lugar. Ela conhece, está no seu coração. Não pode dizer que se arrepende daquela negativa naquele quartinho de pensão da sua aldeia natal, há cinquenta anos atrás, mas sempre se perguntou porque não o procurou com mais afinco, quando ele sumiu. Seus olhos queimam, ao lembar do moribundo com lágrimas frias e silenciosas escorrendo.

Passados todos esses anos, pode dizer que foi feliz, inclusive como esposa, mas suas cinzas deverão ficar no mesmo lugar que as dele ficaram naquela tarde fria de novembro, enquanto seu magro corpo adolescente era corroido pela febre assistindo aquela despedida.