Entendendo Ramon

Ramon às vezes tem crises agudas de melancolia. Não chega ao ponto de querer morrer (como alguns de seus colegas depressivos), mas, se pudesse, alugava um quarto no centro de uma metrópole qualquer e se fechava lá dentro, sozinho, até melhorar. Mas como não pode fugir aos compromissos que uma vida de pai de família lhe impõe, ele procura evitar, durante as crises, o menor contato visual que seja com cenas e imagens do cotidiano que, ele já comprovou, deixam-no ainda mais triste (às vezes aterrorizado, como se mirasse o abismo). Por exemplo: homens e mulheres de meia idade fazendo caminhada na avenida, com o passo acelerado, usando boné, camiseta, bermuda e tênis. Como explicar o que sente Ramon diante de uma cena dessas? Complicado... O fato é que para ele isso é absolutamente deprimente; assim como ver alguém correndo como um louco na esteira da academia, suando a cântaros; e adolescentes portando celulares, enviando mensagens cheias de erros de português para amiguinhos e namoradinhos. (Nesse caso, a angústia de Ramon beira as raias da loucura, faltando pouco para ele arrancar o celular das mãos do indivíduo e lançá-lo com toda a força na parede).

E não é só isso. Ramon também não suporta o excesso de zelo e preocupação de mães e pais de primeira viagem com seus filhinhos queridos: aquela coisa pegajosa, antipática, exagerada: as crianças se achando as donas do mundo (coitadas!) e os pais fingindo viver (coitados...). Ramon se apieda dessas pessoas, mas junto com a pena vem uma angústia tão grande, tão atroz e insuportável que, quando ele entra em crise, não vai a nenhum lugar que considera de risco, com medo de encontrá-las: festas de família, restaurantes com parquinhos e praças públicas nos finais de semana, nem pensar!

Outra coisa proibida: Facebook. Porque não tem nada mais patético e deprimente para Ramon do que a necessidade obsessiva que algumas pessoas têm de se exibir na rede: fotos e mais fotos de viagens, festas, prêmios, carros, motos, sítios, e as frases que, no fundo, só querem dizer “como sou feliz”, “como sou um sucesso”, “como sou rico”, “como gostam de mim”. Ramon diz que o que ele sente não é inveja, pois raramente deseja o que os outros têm, e quando deseja, não vê o que eles têm como mal empregado. O que ele sente, na verdade, é um tormento do espírito, uma angústia que cresce dentro dele como um tumor descontrolado diante de tudo que é fútil e efêmero. Como explicar? Não sei... Eu queria entender melhor o Ramon, para ajudá-lo mais, já que sou seu único amigo. Mas não consigo... Ele é muito complicado.

Flávio Marcus da Silva
Enviado por Flávio Marcus da Silva em 08/11/2012
Código do texto: T3975104
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