O galo esclerosado

Há várias coisas que identificam as origens rurais de uma pessoa. Se por exemplo, um galo canta fora de hora e ninguém ouve é prova de que são citatinos. Não vieram do campo com toda certeza.

Quem veio, ouve logo o canto do galo e se incomoda. Não que não goste, não é isso! A pessoa que tem esse registro nas lembranças gosta até demais, mas se sente incomodada por não entender aquele despropósito. Desde quando os galos confundem os horários? Estará esse pobre galo meio esclerosado? Será tão velho assim?

Antes que eu me esqueça, sabe-se da idade do galo pelo tamanho da espora que ele porta. As esporas são para ele o mesmo que os dentes para os cavalos. Assim como não podemos ocultar certos sinais de idade, os galos e os cavalos também não podem.

Pois bem, se esse galo está gagá a sua espora também está bem grande. Assim sendo, fico com muita pena, principalmente se ele está sozinho. Há tristeza maior para um galo do que não ter galinhas para cortejar? Acho que os mestres-salas aprenderam com os galos aquelas manobras ao redor das porta-bandeiras. Se bem que acho que os galos ainda são melhores que os mestres-sala por que além de cortejarem as galinhas, ainda cantam. É muito bonito! Eles abrem as asas, cantam, dão umas ciscadinhas e esbanjam charme para chamar a atenção delas.

Mas voltando ao pobre coitado que canta fora de hora, se ele está sozinho perdeu toda a alegria de viver. É como um rei que perde o trono, como um cantor que perde a voz, um ginasta que perde a medalha de ouro...

Seja qual for o problema desse galo me dá uma grande tristeza ouvir o seu canto. Pena que não sei de onde vem. Se soubesse era capaz até de me informar o que se passa com ele. Morar no centro da cidade é assim. Vemos tantas casas grudadas, prédios tão próximos que não conseguimos descobrir de onde vem o canto do galo.

Minha mãe contava uma história muito bem-humorada de um roubo. Aliás, esse roubo foi do tempo que ainda havia ladrões de galinhas. Hoje em dia, os roubos estão cada vez mais sofisticados, aprimorados, requintados e o mais interessante é que ninguém acha que é roubo.

A dona das inúmeras galinhas foi bem cedo ao galinheiro para jogar milho para elas. Nesta época ainda não existia ração e as galinhas comiam milho, os pintinhos novinhos, fubá molhado e, um pouco maiores, canjiquinha. Quando lá chegou levou um grande susto, pois o galinheiro se encontrava vazio! Mas ao observar melhor, viu o galo cabisbaixo, pousado em um poleiro com um cartãozinho amarrado em uma perna. Nele estava escrito: “Desde das 3h que eu estou aqui sozinho ... sozinho ...”

Déa Miranda
Enviado por Déa Miranda em 08/11/2012
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