EU, MELIANTE!
Nem desconfiava que um dia me colocariam a plaqueta de inimigo número 1 da sociedade. Não imaginava, mas aconteceu!
Num país em que as leis são cumpridas "ipsis litteris", como o nosso, em que cada cidadão atavicamente segue todos os preceitos legais e que os raros recalcitrantes sentem a força da espada da Justiça, igualando todos os homens, sem distinção de raça, cor e credo, devo curvar-me ao julgamento.
Num país em que os pobres e oprimidos têm sempre um paladino que os defenda, que não permite que uma pobre senhora seja presa por "roubar" um sorvete para sua neta, que teria pela primeira vez a ventura de saborear essa guloseima; numa terra em que o poder público não permite que pessoas idosas permaneçam, sem atendimento, jogadas pelos corredores dos hospitais; que preserva o meio ambiente, impedindo o criminoso desmatamento; que tem um avançado sistema carcerário que abole a desumana superlotação; que protege o pequeno lavrador com uma invejável Reforma Agrária; que tem um primoroso sistema legislativo zelando pelo lídimo interesse público, sem pensar em criar vantagens para seus membros e que é constituído por homens altamente capacitados, mesmo que se ocultem, por pura modéstia, por trás de cognomes como Zequinha do Posto, Manuel do Pastel ou Carlinhos Mecânico, devo curvar-me ao julgamento.
Numa terra em que um motorista guiando um carro que alcança velocidade acima dos 200 km/hora, atropela e mata um homem, não aceita sua declaração de estar rodando a apenas 60 km/hora e prende-o na hora; que a criminalidade (pouca) existente respeita a força policial e, jamais, a confronta; que a repressão ao tráfico é efetiva e permanente; que o dependente químico tem a proteção do Estado e é tratado como tal; que tem uma elogiável estrutura de saneamento básico, de educação e de infraestrutura, devo curvar-me ao julgamento.
Eu, infrator, me confesso!
É mesmo verdade o que consta do auto que acabo de receber!
No dia 19 de outubro deste ano, ás 11 horas e 53 minutos, na altura do km 815,5 da BR 116, na localidade de Leopoldina, cometi o delito!
Era uma sexta-feira, estrada inteiramente vazia, um ermo só, mas eu dirigia em excesso de velocidade e fui flagrado e fotografado. Bem feito!
Quem manda desobedecer a lei de trânsito!
A velocidade máxima naquele trecho era de 50 km/hora e o senhor levava seu carro à estonteante marca dos 58 km/hora. Tá louco ou o que?
Devo curvar-me ao julgamento!
(não deixe de ler o colega Gdantas)