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A Visitante da Meia-noite
A coisa entrou com tudo pela porta, rodopiou no ar, bateu na parede e caiu. O barulho tremido de asas se debatendo me fez correr até lá. Era uma cigarra. De onde viria em horas tão tardias? Nunca soube de cigarras notívagas, perdidas na night... Mas, enfim...
O fato é que a visitante estava bem ali. Com certeza tentava fazer o reconhecimento da área... Duvido que ia conseguir! Pensei: que cigarra em sã consciência escolheria minha sala para aterrissar por volta da meia-noite? Perdidinha, a coitada... Estudei as aparências: não era das miudinhas, nem das grandonas coloridas que já vi muito, agarradas aos troncos das mangueiras. Era um modelinho novo (são mais ou menos 1500), tamanho médio, asas transparentes, contornadinhas de preto, dois olhinhos piscantes projetados para o infinito... Um ser ETéreo, nunca visto antes...
Diz a sensatez que quando não se conhece um inseto, melhor ir com calma. Vamos que a espécie seja brabinha e conheça uns golpes novos que a gente não conhece. Foi o que fiz. Não me arrisquei a tocar no corpítio delicado, ilustre desconhecido! E foi bom, porque, de repente, a danada alçou voo num super-ultra-mega-rápido movimento, quase me matando de susto...
“Opa! Agora ela acha a porta e se manda”, foi o que pensei! "Vai pra noite dar um passeio, se é que cigarra sabe passear no escuro" (acho que não). Confesso que fiquei aliviada. Queria vê-la sem estresse, ganhando as frescas aragens noturnas, procurando seu canto. Mas ela foi? Foi... girar em torno da lâmpada, numa velocidade alucinante, na maior demonstração de falta de juízo. Vez em quando batia contra o lustre e pá! Vinha ao chão. Que dó!
Abri janelas e portas ali por perto. Talvez a tensão lhe fizesse enxergar uma porta estreita demais. Tentei ajudar, mas a espoletinha nada de achar a saída. No seu giro enlouquecido escorregava pela parede, grudava no sofá. E eu, paciente e solidária, dando as coordenadas : “Menina, a porta é por ali, vai lá...”. Ela escutava, respondia um inaudível “Entendi” e saía voando, mas tinha pegado amor à sala, voltava pro lustre...
Por fim, vi, em seu rosto cansado das ilusões, que estava entregando os pontos. Eu também. Afinal não tava fácil aconselhar a destrambelhadinha. De repente, do teto, ela despencou bem no meio do tapete. Nosso Deus, morreu! Teria sido um suicídio? Sem condição alguma de investigar a causa mortis me vi no aperto. E agora? Eu ia ter que recolher a cigarrinha morta? Embora fosse só um bichinho, achei triste: nunca recolhi nada mortinho assim... Fazer o quê? Tava na hora de... da embusteira, numa arrancada violenta, subir pra lâmpada de novo... Ai!
Tão veloz o bichinho, que não consegui localizá-lo no voo. Fui me guiando só pelo barulhinho rascante das asinhas. Ué, sumiu? Perdi de vista a travessa! Não é que escapou? Ainda bem! Graças a Deus a filha pródiga tinha retornado ao lar... Ao meu lar! Pois, não é que a moleca voltou?
Tudo de novo! Voa daqui, voa dali, aquele carrossel de emoções começou a me dar enjoo. Que ser mais inquieto! Então a boêmia voltou novamente? Saiu daqui tão contente, por que razão quis voltar? De repente, não sei por que, lembrei Nelson Gonçalves... Mas chega de saudade! Trate de dissuadir a menina sapeca a bater em retirada! Fui buscar uma toalhinha bem macia. Talvez agitando-a no ar conseguisse induzi-la a dizer adeus. Quando voltei cadê a melindrosa? Tinha virado fumaça! Ah! Insetos, insetos! Melhor não vê-los para não sabê-los, nem vivê-los! Tinha se ido, a faceira, para outras paragens...
Fechei portas e janelas, fui dormir o justo e tranquilo sono dos benfeitores: quis muito devolver uma vida indefesa à natureza... e consegui! Hã, pensa, né? No meio da madrugada um cicio estridulante, um ‘serenático’ chichiar, pra lá de amoroso, saudou meus pobres tímpanos (me contaram que o som pode ser ouvido a um quilômetro, imagina!)... Griiimm imm imm... iiiiiiimmmmm... Ai! Era ela! Tinha só tirado um cochilo atrás da estante e agora fretenia, animadamente, seu retinido canto , se sentindo no pé de manga, em pleno sol do meio-dia!
Fechei portas e janelas, fui dormir o justo e tranquilo sono dos benfeitores: quis muito devolver uma vida indefesa à natureza... e consegui! Hã, pensa, né? No meio da madrugada um cicio estridulante, um ‘serenático’ chichiar, pra lá de amoroso, saudou meus pobres tímpanos (me contaram que o som pode ser ouvido a um quilômetro, imagina!)... Griiimm imm imm... iiiiiiimmmmm... Ai! Era ela! Tinha só tirado um cochilo atrás da estante e agora fretenia, animadamente, seu retinido canto , se sentindo no pé de manga, em pleno sol do meio-dia!