OLHARES

Havia um olhar deveras silencioso e perdido no bucólico vai e vem das ondas do mar num entardecer de brisa suave, o céu todo impecável azulando o espaço, o sol já começando a se esconder para repousar na noite que se aproximava, devagar porém firme, trazendo o luar. Nuvens esparsas brincavam de esconder com o vento, mas além disso nada mais havia para admirar a não ser o silêncio e o mutismo da tristeza em derredor, o ar desprovido de sentimentos, a maresia insistente e incômoda, embora isso tudo somente representasse o toque pueril do instante. Melhor que o tempo, ainda bem por isso, não parava nunca, pois se ele fosse interrompido por alguma razão súbita o tédio poderia imperar e apenas lágrimas se veriam nos olhos dos que se julgam impassíveis. Aquele olhar aprisionado no mutismo enternecia pelo sublime ar de seu semblante angustiado. Ele parecia estar suportando todo peso da humanidade, a selvageria da vida, a violência incontida e busca, os temores infantis. Nunca se viu um rosto tão amargurado, baço, desprovido de vivacidade.

Foi quando eu percebi que, recortando o céu meio azulado e misterioso, voava toda elegante e fagueira uma linda águia de enormes asas, cuja beleza explícita se descortinava arrogante, fabulosa, impetuosa, airosa, enfeitando o horizonte, trazendo, enfim, vida em abundância e movimento espetacular, que se exibia com a majestade de sua personalidade. E aquele bailado no ar cheio de estilo, perspectivas, exibição, egocentrismo e fascínio me provocou um turbilhão de sentimentos divergentes de perplexidade especial, entusiasmo inesperado, arroubo de grandiosa emoção. A imponente ave-rainha cruzava o espaço incomensurável e seguia altaneira com a certeza de ser imperatriz por onde quer que voasse, ninguém a desafiaria nem ousaria ao menos encarar seu firme olhar, temida que era por todos os seus pares, e ela sabia muito bem acerca dessa assertiva.

A poderosa ave desapareceu por algum repentino desvão celeste não vislumbrado pelo parco alcance de minha visão, imiscuindo-se determinada, provavelmente, por entre algumas nuvens baixas vindo até as proximidades humanas para, talvez, sentir o tão badalado calor humano. Destarte, a partir de então o céu ficou deserto de vida, habitado meramente pelo sol indolente já se espriguiçando ante a iminência da noite, e essa solidão destoando da ternura do infinito gritava aos berros sua impotência, maculava o resto do mundo, os fragmentos do Cosmos, queimava as cores do arco-íris borrado. Nesse ínterim, enquanto eu vagava o olhar por sobre o vazio do distante horizonte, um fio de lágrima pontuava meus olhos pelas lembranças tristes que insistiam em não ir embora.

Pois não foi a vida que se rebelou contra a tirania da morte, que se debruçou sobre o abismo do ódio para gritar seu amor, que abalou a terra, estremeceu o céu e desestruturou a tristeza ao brotar triunfante e vencer no mais inóspito dos confins? Foi, porque a vida é regida inteiramente pelo titânico poder desse maravilhoso sentimento, este mesmo que se mostra inconsequente em determinados acontecimento da existência. É triste, de tal forma, por conseguinte, perceber que o amor, numa incoerência típica dos seres humanos, tem sido causa de vida e morte, de ódio e ternura, de desavenças e harmonia, de paz e medo. Até mesmo o amor promove o caos, segundo alguns corações habitando o peito de tantos homens.

Gilbamar de Oliveira Bezerra
Enviado por Gilbamar de Oliveira Bezerra em 07/11/2012
Reeditado em 07/11/2012
Código do texto: T3973018
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