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O INESPERADO

Ontem fomos dormir ouvindo o barulho dos baldes d'água que São Pedro derramava no mundo. Acordo hoje de manhã e, enquanto desço as escadas, deparo com uma casa inundada de sol e um céu perfeitamente azul. 

 

Minha mãe nos dizia, quando éramos pequenos, que quando raios e trovões percorriam o céu, seguidos de um aguaceiro, era porque São Pedro estava fazendo faxina em casa. Os trovões eram o arrastar dos móveis, e o aguaceiro, a água que ele usava para lavar o chão da cozinha. Ainda tenho esta imagem em minha mente, que é evocada todas as vezes que chove forte: um vigoroso senhor de cabelos longos e brancos, barbas longas e brancas, empunhando uma vassoura e jogando baldes d'água e detergente sobre um chão sujo. Só que toda a água da lavagem caía sobre nós, pobres mortais...

 

 

É assim, às vezes; para nos livramos de alguma 'sujeirinha escondida', podemos respingar os outros que estão em volta. Não podemos agradar a todos, o tempo todo, e esta limpeza é necessária de vez em quando. Aquele que recebeu os respingos  de água suja, que limpe, ele mesmo, o estrago... 

 

 

 

Ergo os olhos da telinha do computador e olho este imenso e enigmático céu azul, que parece nunca ter ouvido falar de             nuvens e tempestades. Um esquilo brinca de pular em cima do muro forrado de hera, e passarinhos cantam e voam, como sempre fazem. A vida parece definida, segura, como uma história já escrita da qual somos personagens com papéis definidos, cuja única preocupação é ler o script e desempenhar nossas partes. Mas não é assim...

 

 

 

A vida é totalmente inesperada, pois acho que Deus, a fim de livrar-se da monotonia, deu-nos o tal livre-arbítrio, para que possamos fazer as nossas trapalhadas diárias e divertí-lo, todos os dias, de uma forma diferente, enquanto tentamos sair das enrascadas nas quais nós mesmos nos metemos. Ele apenas recosta-se em sua poltrona com encosto dourado, queixo apoiado em uma das mãos e segurando seu cetro de poder na outra, de vez em quando, coçando sua barba branca, e observa-nos... quando, já desesperados, sopramos-lhe uma prece, Ele às vezes a atende, pois é piedoso.

 

 

 

Mas a peça é sempre nova, todos os dias. Mesmo que achemos que nossas vidas são como aquelas peças da Broadway que ficam anos em cartaz, elas não são assim. Ou podem até sê-lo, se assim escolhermos. Mas a escolha é sempre nossa. Escolhemos os atores com quem desejamos contracenar, assim como escolhemos os cenários, a trama, os diretores. Mas em nossa cegueira voluntária, não enxergamos que somos sempre os atores principais desta nossa trama, e que noventa por cento de tudo o que nos acontece diretamente, é por causa de nossas escolhas. Os outros dez por cento, são as escolhas de outras pessoas que vem de encontro às nossas. Bem, pelo menos, fica mais fácil assim, pois podemos incluir tudo o que fazemos de errado nestes dez por cento...

 

 

 

Ora, mas por que comecei esta crônica falando de uma noite de chuva, uma manhã de sol, mãe, São Pedro, esquilos e pássaros, Deus, faxinas, peças de teatro, enfim, fazendo esta sopa de pedra? Confesso que não sei... acontece que sentei-me aqui em minha varanda, e o dia está tão lindo, e meus dedos estão ansiosos para tamborilar no teclado do computador, e o mundo hoje parece tão certo, tão em paz e tão maravilhoso, que simplesmente 'saiu.' Se faz sentido ou não, é o que menos me importa! 

 

 

 

E você, por um acaso, sabe o que está fazendo aqui?



 
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Crônica dedicada a Celso F. Panza

 

Publicado no Recanto das Letras,  em: 07/11/2010 09:19:37


Ana Bailune
Enviado por Ana Bailune em 06/11/2012
Reeditado em 06/11/2012
Código do texto: T3972057
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