A Morte do Pinto Roxo – Parte Um
Coitado do pinto! Nunca me esqueço do modo como ele se debatia no chão, agonizando, soltando os bofes pra fora. E eu, um aprendiz de demônio, fiquei imóvel, chocado com a cena. Quando tudo silenciou, dei de ombros e sai como se nada tivesse acontecido. O pinto ficou lá, caído, imóvel, morto. E eu, mais vivo do que nunca, com o diploma de demônio formado, caminhava para a glória eterna. Uma banda de músicos me acompanhava, uma chuva de confetes coloridos me enfeitava. Entrei em casa, e me arrependi. No canto, bem ao lado da porta, estava um pinto laranja. Daqueles que vendem na feira, que maldade! Mas nos meus nove anos, hoje com vinte e dois, era uma coisa mágica. Comprávamos na feira de domingo, tínhamos, meu avô, meu primo e eu, que enfrentar uma fila de crianças histéricas. O meu penúltimo pinto, assassinado há anos atrás, não por mim, mas pela minha mãe, era vermelho, pois cismou de ficar branco à medida que crescia – o único defeito dos tais -, virou um gostoso frango assado. Que coisa estranha, não é? Comer aquilo que criou… Nunca ouvi falar de mãe que comeu o próprio filho. Você já? Mas o fato é que fiquei arrependido. Mas só hoje, treze anos depois, é que decido contar esse tal crime. Vamos aos fatos.
O dia era quatorze de Março de mil novecentos e noventa e nove, dois dias depois do meu aniversário de nove anos, onde o tal frango assado foi o prato principal da festa. Acordei cedo, e conseqüentemente acordei a casa inteira. Sentei-me na cadeira, esperando o café. Meu avô, cego de um olho, me encarava, meio zangado e sonolento, sentando na cadeira a minha frente. Do outro lado dele, exibindo um carro vermelho e brilhante, estava meu primo; olhando pelo o canto dos olhos, esperando minha reação de inveja, ao contemplar o seu enorme, novo e perfeito carro vermelho. Bobagem! Queria mesmo era o meu pequeno, novo e barulhento pinto roxo. Eu queria todas as cores de uma vez, na verdade, mas não me deixavam, por isso fiz uma lista. E o próximo dela era um pinto verde. Eu não havia me esquecido do pobre pinto, que virou frango, que acabou virando até comida de cachorro, pois seus ossos ainda estalavam naqueles ágeis caninos; pobre pinto-frango vermelho.
O café foi servido e rapidamente devorado. Minutos depois estávamos atravessando a avenida, indo em direção á feira, onde uma gaiola de pontos azuis, laranjas, amarelos, um arco-íris de cores, coloriam aquele lugar imundo e fétido; o tal baú no fim do arco-íris, onde anões, meio débeis, caminhavam de um lado para o outro. Um Circo dos horrores!
Tivemos de enfrentar um enorme fila de crianças histéricas; sorte minha que já deixei encomendado o pinto verde. Só havia três pessoas na minha frente, e como eu era o ultimo da fila, pelas minhas contas, ainda sobrariam três pintos; tirando o meu, claro. Fui atendido, e dentro da gaiola ficaram os três pintos; um roxo e dois azuis. Dei tchau para eles e virei pra seguir direto pra casa. Mas no mesmo momento ouço: “Também quero um! O roxo!”, gritou meu primo. Virei rapidamente, bem a tempo de ver vovô metendo a mão na gaiola e tirando o tal pinto. O rosto do infeliz, meu primo, estava radiante.