UM HOMEM, UM OLHAR

Era dia ainda. Eu passava pela rua pensando apenas nos afazeres do cotidiano, sem maiores preocupações. Ia observando a rua e o trânsito cada dia mais intenso dessa cidade que não para de crescer. Não era nada de mais, nem de menos. Parei para atravessar a rua quando de repente um olhar me puxou na direção onde ninguém via. Era apenas um homem, bem vestido até, sentado na mesa de um bar. Havia um copo vazio, não sei se ali fazia cena ou já fora tomado o que ali fora servido. Era apenas um homem, idoso, chapéu, camisa social pra dentro da calça preta, também social, tradicional e à moda de sua época, de uns setenta anos atrás..

Eu o notei. Ninguém mais o parecia notar. E eu não sei explicar o que me comoveu naquele olhar. O homem estava olhando pra mim com um olhar profundo, tristonho, hoje ainda, e fixo agora em minha mente de pessoa descuidada. Ele parecia implorar um cumprimento, que eu neguei, pois nunca o havia visto e não me achei no direito (quiçá um dever) de dizer-lhe um boa noite. Tinha ele o corpo meio encurvado nos ombros, à frente, como a querer sair daquela cadeira e ser um foco de atenção e de visualização. Ninguém estava vendo aquele homem. Também ele não chamava a atenção de ninguém mesmo, tão comum, tão normal, tão corriqueiro nas cidades de hoje em dia. São aposentados de tudo e passam o tempo, muitas vezes vagando de cadeira em cadeira.

Mas havia algo notável naquele ser humano: seu olhar. Não era um olhar comum, era um pedido de súplica, que eu neguei. E que todo mundo negou, e negará possivelmente amanhã. Era apenas um homem comum, tão normal, tão corriqueiro nas cidades de hoje, vagando de desatenção a desatenção. Havia ao seu lado uma outra cadeira, uma de suas mãos em cima da mesa, firmando a curvatura da sua coluna para frente como a querer se levantar daquele lugar, a outra mão estava acariciando um cachorrinho de pelo branco, extremamente branco, que não ignorava o olhar do homem tão corriqueiro vagando de súplica em súplica. Até pensei em dizer-lhe um oi, mas seu olhar profundo e enigmático convidou-me mais ao silêncio que ele parecia não querer. E eu me fui.

Voltei. Ele não estava mais lá. Meu coração ficou tenso, minha mente perturbada. Meu pensamento nos idosos do século XXI, e são tantos. Nas praças e esquinas, nas mesas e nos becos, são olhares vários, pedintes e suplicantes, de tão pouco. De uma palavra talvez, de um sentimento de vida, de um sentimento de pertença ao mundo ainda. Um de estar aqui, estar na Terra, estar no nosso convívio. E somos frios, indiferentes, insensíveis.

Agora madrugada, chuva fina e o som dos céus no telhado. Eu na minha solidão da noite, na alma inquieta, e no silêncio de todos, meu interior grita vorazmente por aquele olhar. Em que direção estaria? Creio que numa janela admirando a chuva tão esperada. Creio que aos céus volvendo o olhar para quem nunca o despreza. Talvez implorando a caridade da palavra de um filho que se foi pra longe, ou de uma esposa já na eternidade. Meu Deus! Por onde anda aquele olhar invisível e suplicante?

Agora inquieto está meu olhar para o teto da casa, para a janela com a cortina meio aberta para que eu possa sentir o cheiro da chuva na terra. E melancolicamente vou entregando meu olhar ao cansaço, revendo em minha mente aqueles olhos castanho-claros rodeado de sobrancelhas esbranquiçadas talvez por súplicas inúmeras, por desvios tantos, por ignorâncias múltiplas. E eu me rendo ao meu íntimo, adormeço.

Amanhece, passo pela rua, olho a mesa do bar, no mesmo lugar. Olho as cadeiras e procuro aquele olhar, e na tentativa de saldar minha dívida de um bom dia, meu olhar suplica também por aquele ausente olhar sombrio do dia anterior. Não o vejo mais. Não sei nem se aquele olhar ainda tem alguma direção ou se se fechou para sempre. E eu olho o horizonte e contemplo o infinito. E meu olhar tornou-se súplica, de um homem tão corriqueiro, que trabalha, volta correndo, liga a TV, estuda, dorme e passa indiferente diante de olhares tantos, como o meu, como o seu, como o de todo mundo, tão normal nessa vida corrida das pessoas que não cruzam mais olhares e não veem mais nada, nem a si mesmas nos seus espelhos que refletem apenas o ego passageiro. Nada mais. O resto são sombras. Escuras e sombrias.

LUCAS FERREIRA MG
Enviado por LUCAS FERREIRA MG em 05/11/2012
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