Sheila
Trancada num quarto escuro, Sheila chora desesperadamente. Batidas incessantes na porta somadas aos gritos ordenando que a mesma fosse aberta explicam claramente que o quarto fora trancado por dentro. A chave repousava sobre a escrivaninha que se encontrava imóvel ao lado da cama onde a garota, deitada, soluça um choro abafado. Aos poucos seus olhos se acostumam à falta de claridade do local e ela passa a perceber o quanto aquele quarto parecia diferente, o quanto parecia muito menor do que realmente era. Ou talvez fosse sua percepção das coisas, que mudara quando ela decidiu se libertar das amarras que a prendiam a esse mundo monocromático que ela tanto odeia. As rosas, como ela costumava dizer, não eram mais rosas, enfrentavam agora a triste realidade de terem de se conformar com um cinza avermelhado cheirando a sangue e suor. O branco das pessoas transparecia indiferença, incompreensão. Antes, dizia ela, tínhamos cor. Ela quase não sentia seus ferimentos, os cortes superficiais em sua pele que formavam claramente a palavra covardia, impressa em letras vermelhas cor-de-sangue. Covardia? -pensava ela – Nada tem a ver com covardia. As pessoas, tão céticas a respeito da dor que a tristeza traz, evitam pensar que a vida não precisa ser assim. Ninguém precisa morrer de fome, de frio, de doenças há muito curadas por países vizinhos. Sheila sabia disso. Pelas frestas da porta ela percebia o movimento desesperado de seus familiares do lado de fora. Qualquer palavra de motivação ou conforto servia apenas para convencê-la de que toda a sua vida não passava de uma mentira. A ilusão de que as coisas iriam melhorar não a convencia mais. Ela se lembrava, agora, de todas as pessoas que passaram pela sua vida. Todas as pessoas que se foram sem se despedir. Sheila trazia na memória a imagem de seus olhares, de seus sorrisos e de seus sonhos mais secretos. Sonhos que não se realizaram, sonhos que se perderam. Lentamente ela deita na cama, fecha os olhos com força e pede à Deus por coragem. Ri pela ironia do pedido. Ela sabia que não conseguiria. Teria de encarar aquele mundo que a desprezava. Seus olhos, tão lacrimejados, choravam agora pelo medo da solidão. Indiferente a toda a agitação que acontecia lá fora, a garota adormece, lamentando a terrível ideia de ter que acordar novamente.