Desabafo de uma quase finada

Aos finados... As velas finas repousam sobre o castiçal, a vela de sétimo dia está encima de um pires... O fogo próximo demais da santa chamusca a imagem, dando uma tonalidade preta aos traços pintados com cautela por um artista crente. E os nomes da enorme lista: a vó, o vô, aquele tio, um amigo da família, um parente distante, mas um casal de avôs, o primo que morreu cedo demais, a tia que estava doente... Mas meu nome não foi pra lista. Por pouco, eu diria, bem pouco...

###

A rua estava vazia, nem tanto, mas estava com poucos carros... Daria tempo?! Tinha um ônibus parado pegando passageiros e os outros carros estavam longe demais eu fui lentamente, observei rapidamente o movimento, daria tempo. Hesitei, mas fui quase correndo, não deu tempo, um carro ultrapassou o ônibus e PAM! BUNF! Ai! Droga! Não cosigo respira não consigo... Um grito abafado em gemidos, o calor do asfalto, a respiração sai sofrida. Se juntaram pessoas ao meu redor, elas me ajudaram, fizeram os primeiros socorros, chamaram a ambulância, falaram coisas divertidas para que eu não chorasse, seguraram minhas mãos. Eram eles: Meu amigo, um medico, soldados, bombeiros, meu irmão, a funcionaria da escola, todos tinham outros compromissos e se dedicaram a mim... Ah! Não posso esquecer o motorista que ficou nervoso e pensou, “ferrou matei ou aleijei”, mas não matou nem aleijou estou viva e estou bem... Isso tudo aconteceu nas vésperas do dia de finados e fico imensamente feliz do meu nome não ter entrado na lista de mortos da família.

A mulher forte que eu chamo de mãe chorou feito menino pequeno quando me viu inchada e dolorida. Mas no dia seguinte ao fazer a lista dos finados para dedica-los uma missa, me olhou comer um misto que ela mesma havia preparado e sorriu, sorriu e explicou “Seu nome não estar na lista, Deus te livrou dessa vez, para que você preste mais atenção minha menina”.

... Não sei se é a hora ou lugar para revelar, mas a minha maior preocupação do dia era com a possibilidade dos meus peitos serem pequenos demais. Agora penso tanto faz, que diferença faz afinal, “Meu rosto é bonito suficiente? Meu corpo é bonito suficiente? O que falam de mim?”. Lá estava eu pensando superficialidades quando me deparo com algo um pouco maior "Não sou mais um defunto na família" e minha mãe não precisou velar meu corpo. Mas eu poderia ser. Sou sensível demais e frágil demais... Crises alérgicas, luxação espontânea da patela, asma, astigmatismo, desmaio alcoólico naquela festa, queda e joelho deslocado, infecções... Mas eu não estou na lista.

Agora vejo que é impossível não crer em uma força maior. È impossível não acreditar no Deus da minha mãe, mesmo que tantas vezes eu tenha duvidado dele. Minha mãe crê e a força das orações dela me salva do mundo e me protege de mim.

(Baseados em fatos reais... Sim, eu fui atropelada)

Bela Pessoa
Enviado por Bela Pessoa em 05/11/2012
Código do texto: T3969264
Classificação de conteúdo: seguro