No corredor
 
                        Novamente, me encontro com aquele velho amigo que não para de especular sobre o mundo, em busca de uma teoria que o convença de um conhecimento que lhe traga satisfação. Me diz ele que está virando um racionalista e que o mundo tem uma razão por trás de todo esse caos que sentimos em nossa vida.
                        Por uma associação de ideias, lembrei-me de Papini, adepto do pragmatismo.  Dizia ele, citado por Wiliam James, que o pragmatismo seria o corredor de um Hotel. Todos os quartos dão para esse corredor. Assim, o racionalista encontra-se em um determinado aposento. O materialista, noutro quarto. O religioso, noutro cômodo, assim como o cético, ocupando outro apartamento. Todos, no entanto, devem passar pelo mesmo corredor, para entrar ou sair para seus aposentos. Não há outro meio prático para entrar ou sair.
                        Antes de dizer ou confessar ao meu querido leitor ou leitora onde me situo, devo dizer que já morei no apartamento da religião, influenciado desde cedo pelos religiosos. Com as vicissitudes da vida, já adulto, mudei para o quarto dos céticos.
                        Montaigne dizia que o ceticismo era a filosofia mais honesta que ele conhecia, pois não afirmava nada sobre o mundo e permanecia no estado da dúvida permanente. Os outros teóricos, incluídos os religiosos, ao contrário, se aferram a uma ideia, ou uma crença e passam a adotá-la como uma verdade suprema.
                        O estado da dúvida não é confortável para a maioria das pessoas, mas tem um certo charme aquele que duvida de tudo. No meio dessa gente toda, descobri que existem os que fingem se devotar a uma determinada crença, para evitarem conflitos com a família ou com a sociedade em geral. Achei muita graça quando o cronista Artur da Távola disse certa vez que esses que fingem têm um certo jeitinho brasileiro.  Conheço e confirmo essa opinião, pois cada vez mais vários amigos me confessam que frequentam a religião apenas para atender a crença da maioria e não querem brigar.
                        Entrei de propósito nessas reflexões dominicais para dizer que sempre tive muita dificuldade de crer neste mundo de incertezas. As incertezas são tantas que fez surgir o ditado correto de que só temos certeza da morte. A minha dificuldade deve ser uma questão de temperamento. Aliás, as pessoas se situam numa determinada crença por questões de temperamento mesmo, de modo geral.
                        Bem, chegou a hora da minha confissão.  No momento, estou morando no corredor deste hipotético hotel. Este corredor representa a vida prática e, como ensina o pragmatismo, a nossa atitude é de um olhar diferente. Ao invés de procurarmos as origens, as causas, os princípios, cujas análises sempre se tornam obscuras e nos perdemos num emaranhado de teorias que acabam nos deixando mais perplexos do que antes dessas análises, olhamos para frente e procuramos pelos frutos de nossas ações, pelas consequências e pelos fatos da vida. Não dormimos e nos satisfazemos com teorias que nos descansam com certezas que não podemos ter.
                        O importante é viver essa vida rica que a natureza nos proporciona, que vai nos dar saúde física e mental, talvez com um único princípio a seguir. A  chamada regra de ouro:  “Não fazer aos outros o que não queremos que façam conosco”.
                        Não gosto mais dos domingos e feriados. Adoro os dias úteis, com todos trabalhando e a vida da gente fluindo utilmente. Mas reconheço que esse domingo pelo menos serviu para esse ligeiro papo com meus amigos leitores.
                        Ah! o mais importante: o pragmatismo aceita de bom grado todas as crenças, convive bem com elas, não repudia nenhuma. Portanto, meus amigos e amigas idealistas, religiosas, transcendentalistas, aceitem meu aperto de mão e amizade. O meu único problema é na hora de dormir, pois estou morando no corredor do “hotel da vida” e não sei se vão deixar que eu ponha minha cama neste corredor por onde todos passam...
 
Gdantas