TEMPOS DIFÍCEIS, OU A ERA DA NECESSIDADE DO OUTRO COMO ESPELHO À NOSSA VAIDADE?

Eis o tempo avesso a admiração, Senhor Aurélio! Podeis limar do dicionário o verbete admirar, "admirari. 1. Olhar ou considerar com admiração. 2. Experimentar admiração por". Nossa era não nos permite mais. O verbo logo, logo figurará na lista dos arcaísmos da Língua "inculta e bela" e impraticável.

Talvez aprendamos diacronicamente -na evolução da língua- organismo vivo que é e como tal sujeita a interferências sociais, que manifesta-se de maneira radical e impressionante na palavra admirar. Do latim vulgar às convenções linguísticas, evoluiu, mudou a grafia, a pronúncia; não de significado. É no presente, mais precisamente num fim de semana, parado no ponto de ônibus, é que ela é radicalizada, mantendo a mesma escrita e sonoridade; ganha outra significação. Admirar passa a ser, arbitrariamente, "objeto que serve para refletir imagens", ou melhor, refletir vaidades.

É o tempo do mostrar-se, tempo belicoso. Todos se mostram. Com tantas coisas amostras é também tempo de angústia do anonimato. Não ha nada para se ver quando tudo está revelado, revelando-se a velocidade superior a capacidade humana de processar.

É ai que admirar é espelho. É ai que admirar é plataforma, é quase rede social a outros que anseiam sair da letargia que o mundo todo revelado, ou revelando-se, o obriga, agressivamente, a estar.

Temos uma revolução gramatical e admirar perde a função de designar ação e assume a de nomear; de verbo a substantivo comum, não numa análise sintática, sim por nova definição e uso. O ato de admirar passa a ser um objeto a outro.

Os ansiosos não mais sentem seus egos massageados quando admirados. Não dá tempo da ação surgir, daí ser rebaixado da condição de verbo. Vorazes, captam o olhar do outro e de posse desse filigrana de atenção, engrandecem-se. Fazem da migalha recebida, porque o ato de admirar quando usado pelo admirado desejoso de sê-lo, ganha o status de migalha; platéia de seu exibicionismo afirmador enquanto objeto. Das migalhas colhidas, ceia os farelos que não alimentam o espírito. Este definha ao nível do quase nada, não ao absoluto nada, posto que ainda resta algo que lhe impulsione a vida, a ilusão.

Wérlen M. dos Santos

22 de março de 2012.

Wérlen M dos Santos
Enviado por Wérlen M dos Santos em 04/11/2012
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