Vá se danar

Tudo bem, eu vou embora! Disse isto e saiu. Ela ficou ali, sem reação diante da afirmação tão decidida. Era para ser mais uma daquelas briguinhas corriqueiras que tinham quase toda semana e que, sem ter percebido, tornou-se coisa de quase todos os dias. Discutir ao invés de dialogar passou a ser ato banal entre os dois. Quem estava certo? Qual deles comessava a sessão de ataques verbais impensados e cruéis? Quem foi que começou a se achar proprietário do corpo, dos sonhos, dos sentimentos e, principalmente, da vida do outro? Ninguém saberá dizer precisamente. Uma coisa é certa, ambos estavam errados. Cada qual se achava dono da verdade, cheio de razão e com argumentos suficientes para agir de tal maneira. Ambos erraram ao não ceder um milímetro sequer em suas opiniões, como também em não respeitar o pensamento do outro. Talvez um, ou os dois, tenha tentado, mas em momentos que o outro não teve paciência para escutar e, diante de um ataque, ambos pensaram que o contra-ataque é a melhor defesa. O resultado era sempre ferimento mortal nos sentimentos bons que cada um nutria pelo outro e, batalhas e batalhas depois, dois monarcas sem exército marcharam solitários em direções opostas tentando juntar algum pedaço de seu velho sonho de vida a dois espalhado pelo chão.

Vida nova? Não! Meia vida, para assim tentar viver sem as mazelas da parte que se perdeu. Não vai sarar facilmente e, quando isso acontecer, cicratizes perpétuas farão as lembranças doerem de vez em quando na alma. Suspiros inesperados e choros solitários somados ao temor de que os mais íntimos percebam a saudade e o arrependimento por ter deixado o pior acontecer são em vão, pois eles já perceberam, e só não comentam para não agravar a situação.

Disfarçar tentando desbravar novos territórios pode parecer o ideal e, talvez, com algum sucesso; mas hastear bandeira e estabelecer um novo reino será tarefa bastante difícil. Em casos como este,sucesso rápido é quase a inevitável e tardia percepção de que pensou ter conquistado ao menos um pântano e ao final tornou-se prisioneiro-escravo de um ogro asqueiroso e cruel!

Sem mais muito que fazer, o consolo é se lamentar e lembrar da frase que proferiram várias vezes um ao outro como se fosse uma ordem: "Vá se danar!" Ordem aceita, decisões aos rompantes, arrogâncias em evidência e eis que foi o fim de um período que poderia ter dado certo se não fosse a imperícia sentimental de achar que gostar de alguém é apoderar-se, reter, submeter, anular e querer fundir o corpo e a alma do outro ao seu e à sua quando o necessário seria apenas estar lado a lado, sonhar juntos e olhar ambos na mesma direção.

Por que tudo isso? Não me pergunte porque eu também não sei. O comportamento humano é tão variável que não se pode prever o que cada um é capaz de fazer em se tratando de sentimentos e, somando tudo o que foi exposto, comemore-se o fato de haver sobreviventes, mesmo que mutilados, para servir de exemplo aos que teimam em não olhar dentro de si e ver que o outro é apenas um complemento, e não o todo, com propósito de lhe compor.

Derly Pacheco-Francisco Beltrão PR

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