Antes Morta...
(Mensagem do autor: Texto não recomendável a pessoas sensíveis.)
Foi um golpe para Dona Célia encontrar aqueles dois pacotes nas coisas da filha. Não; ela não policiava a garota. É um daqueles malditos instintos maternos. Era dia de faxina na casa e a zelosa mãe limpava cada pedaço do quarto. Estranhou, no fundo da gaveta, depois de remover as roupas para passar uma pano com álcool, a propósito de combater o mofo, aqueles dois volumes embalados em papel rosa de um conhecido bombom.
O primeiro pensamento foi relaxo: essa menina de nada cuida mesmo. Os pacotes tinham um pequeno volume em seu interior. Desembrulhou-os e ali dormitavam duas barras pequenas, tamanho de um chiclete, na cor marrom meio que esverdeado. Não era ingênua a Dona Célia. Sentou-se desfalecida no beiral da cama. Reparou no quarto em detalhes rosa. Bonecas ainda no leito, apesar dos 30 anos da filha. Quis que o mundo parasse para ela saltar. Não poderia suportar aquele tipo de pedágio. O preço era muito alto para a frágil estrutura da sua carne desgastada.
Lágrimas começaram a escorrer pelas faces. Duas a duas, como uma parada militar. Quis ser forte e não chorar. A filha, única, lhe moera a alma. Que o chão fosse de vidro – o mundo a observava. Tantos anos de criação, o preço alto da escola, os sacrifícios, tudo faria de novo, não lamentava isso: sua dor era pelo tempo que a filha perdera. Qual o valor de toda aquela instrução?
Leitora de revistas, ela sabia o que os pacotes eram. Novamente os embrulhou e guardou no lugar em que foram escondidos. Terminou a limpeza, mesmo com o banho que os olhos insistiam ministrar-lhe. Possuía um pequeno oratório em seu quarto repleto de santos, a Bíblia no Salmo 90, velas, flores em um vaso com símbolos religiosos. Ajoelhou-se e rezou até cansar. Pediu que a filha ficasse livre daquela influência. De um sopro, sentiu grande alívio no ser. Alguns dias atrás reparara na mudança da menina: olhos vermelhos, uma irritação constante sucedia a momentos de euforia inexplicável. Atribuiu a uma disfunção da idade, nunca é fácil chegar aos trinta.
O telefone soou quebrando-lhe o encanto. A atendente de um hospital público comunicava-lhe do falecimento da filha atropelada por uma moto em desgoverno. Dona Célia voltou ao oratório. Ajoelhou-se, benzeu-se. Acendeu duas velas. Pegou o terço. Não precisava mais derramar lágrimas.
- Se era este o único jeito eu lhe sou grata Meu Senhor, profundamente grata...
(Mensagem do autor: Texto não recomendável a pessoas sensíveis.)
Foi um golpe para Dona Célia encontrar aqueles dois pacotes nas coisas da filha. Não; ela não policiava a garota. É um daqueles malditos instintos maternos. Era dia de faxina na casa e a zelosa mãe limpava cada pedaço do quarto. Estranhou, no fundo da gaveta, depois de remover as roupas para passar uma pano com álcool, a propósito de combater o mofo, aqueles dois volumes embalados em papel rosa de um conhecido bombom.
O primeiro pensamento foi relaxo: essa menina de nada cuida mesmo. Os pacotes tinham um pequeno volume em seu interior. Desembrulhou-os e ali dormitavam duas barras pequenas, tamanho de um chiclete, na cor marrom meio que esverdeado. Não era ingênua a Dona Célia. Sentou-se desfalecida no beiral da cama. Reparou no quarto em detalhes rosa. Bonecas ainda no leito, apesar dos 30 anos da filha. Quis que o mundo parasse para ela saltar. Não poderia suportar aquele tipo de pedágio. O preço era muito alto para a frágil estrutura da sua carne desgastada.
Lágrimas começaram a escorrer pelas faces. Duas a duas, como uma parada militar. Quis ser forte e não chorar. A filha, única, lhe moera a alma. Que o chão fosse de vidro – o mundo a observava. Tantos anos de criação, o preço alto da escola, os sacrifícios, tudo faria de novo, não lamentava isso: sua dor era pelo tempo que a filha perdera. Qual o valor de toda aquela instrução?
Leitora de revistas, ela sabia o que os pacotes eram. Novamente os embrulhou e guardou no lugar em que foram escondidos. Terminou a limpeza, mesmo com o banho que os olhos insistiam ministrar-lhe. Possuía um pequeno oratório em seu quarto repleto de santos, a Bíblia no Salmo 90, velas, flores em um vaso com símbolos religiosos. Ajoelhou-se e rezou até cansar. Pediu que a filha ficasse livre daquela influência. De um sopro, sentiu grande alívio no ser. Alguns dias atrás reparara na mudança da menina: olhos vermelhos, uma irritação constante sucedia a momentos de euforia inexplicável. Atribuiu a uma disfunção da idade, nunca é fácil chegar aos trinta.
O telefone soou quebrando-lhe o encanto. A atendente de um hospital público comunicava-lhe do falecimento da filha atropelada por uma moto em desgoverno. Dona Célia voltou ao oratório. Ajoelhou-se, benzeu-se. Acendeu duas velas. Pegou o terço. Não precisava mais derramar lágrimas.
- Se era este o único jeito eu lhe sou grata Meu Senhor, profundamente grata...