Relatório das Naves do Céu

          Visitei uma comunidade, chamada “Terra”, num “pé de serra” de Goiás bem diferente dos “pés de serra” do nosso interior. Mostrou-me Iveraldo Lucena casas chiques, esotéricas e famílias instruídas; mas, de mãos ásperas por plantarem seu próprio sustento; havia moradas de gente de várias nações; era aqui, mas parecia o estrangeiro. Davam aula aos filhos, evitando as crianças necessitarem das escolas da cidade. Gringos pesquisadores, patrícios professores, uns ourives, outros lapidadores que levavam pedras, prata e ouro, em forma de pulseiras, colares e anéis, às cidades de Brasília e da vizinha Pirenópolis. Dos terraços, viam-se montes e terras planas. Numa delas, destacava-se enorme círculo em terra queimada, arredondado pelo verde da vegetação. Contavam esses colonos que ali descera uma espaçonave alienígena cheia de luz e, como um prato quente, teria queimado a “Terra”, e que em tal mancha nunca mais tinha nascido sinal de vida. Desprevenido, pedi a eles voltar à noite para desfazer uma curiosidade que me persegue, procurando, entre as estrelas, naves descidas do céu. Com olhares de malícia, trataram-me como neófito e, considerando assunto sigiloso, apenas riram de mim...

          Sábado passado, eu e Manuel Jaime, perdidos na cada vez mais rala e escassa mata do Altiplano, procurávamos a casa de Flávio Tavares para vermos sua imensa tela sobre “A Bagaceira”, quando nos deparamos com um enorme círculo, às portas de um condomínio; dessa feita de “cimento queimado”, mas exatamente como o dos alienígenas. Espantado, Jaime perguntou o que era aquilo. Retruquei-lhe que deveria ser para helicópteros. Sobre o que profetizou: “Começam a preparar descida para os carros com asas”.

          Enfim, encontramos a casa. Dentro dela, o cachorro Tarzan, manso, afetuoso ou cansado de proteger o dono; sua hospitaleira esposa Alba; e o pintor descrevendo para Fred Hortêncio e  Márcio a rica aquarela. A quatro metros de altura, pairava uma cadeira suja de tinta, de onde, Flávio continuaria, temendo cair, a pintar nuvens e fumaça do bueiro de um dos engenhos. Havia “kinesis” nas cores, os bois se mexiam nas abundosas “terras de Canaã”, contrapondo-se aos rurícolas famintos e, noutro extremo, ao jumento magro dos retirantes, saídos das cenas de “Aruanda”. Sentado ao centro, José Américo dividia e compunha a obra. Como se faltasse alguma coisa para coroar o dia, apareceu no jardim um belíssimo camaleão; o pintor, de repente, abandonou as visitas para acariciar as tonalidades do verde animal, só desistiu depois das chicotadas lhe dadas pelo rabo do bicho. Se for para ver arte, vale a pena sair de casa.


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