EU E MINHAS CIRCUNSTÂNCIAS
Prof. Antônio de Oliveira
antonioliveira2011@live.com
Há algum tempo, escrevi o seguinte: “A morte emendou a gramática / Morreram Cacilda Becker / Não eram uma só. Eram tantas...” Pois assim se expressara Carlos Drummond de Andrade, com o verbo no plural e o sujeito no singular, por ocasião da morte dessa atriz. Mas como? Era como se a gente dissesse: Morreram também Carlos Drummond / Não eram um só. Eram tantos...” significando que o poeta, poeta maior, valia e vale por muitos.
Uma leitora associou esse plural ao ator Chico Anysio: “Morreram Chico Anysio”. Pensando bem, o plural se assenta como uma luva em Chico Anysio, tantas as personagens que ele criou. À parte qualquer comentário sobre o caráter eventualmente discriminatório de alguns desses tipos, todos, inconfundíveis, foram sublimados pela arte: Alberto Roberto, Azambuja, Bento Carneiro, Bozó, Gastão Franco, Haroldo, Hilário, Justo Veríssimo, Professor Raimundo e sua Escolinha, Coalhada, Divino, Idalinho ou Fumaça, Jean Pierre, Lobo Filho, Nazareno, Painho, Pantaleão, Popó, Salomé, Tim Tones, Urubullino, Velho Zuza... Chico foi, pois, de uma versatilidade fecunda e profícua, irônica e espirituosa. A leitora tem razão: Morreram também Chico Anysio. Chico Anysio eram tantos...
A arte imita a vida. Cada um de nós representa vários papéis na vida. Há quem diga: já fui isso, já fui aquilo. Quando nada, já fui criança, adolescente, adulto... E, quando criança, a gente falava como criança, pensava como criança, raciocinava como criança. Desde que me tornei homem – estou me apropriando de um pensamento de S. Paulo – eliminei as coisas de criança. Hoje em dia se fala em terceira idade, o que supõe, sim, a primeira e a segunda. O importante, no entanto, é manter a própria identidade nos altos e baixos e poder concluir também com S. Paulo: combati o bom combate, guardei a fé, encerrei minha carreira.
Finalmente, o título desta crônica lembra Ortega y Gasset. Também ele, que era um só, morreram...