Amor de Menino
Eu já estava com onze anos quando tudo na minha vida de menino mudou radicalmente. Naquela manhã, fiz as mesmas coisas de sempre: acordei às seis horas, coloquei meu uniforme, tomei chocolate quente com bolacha, escovei os dentes, peguei a mochila e fui para o ponto de ônibus a passos largos. Até aqui, tudo muito rotineiro.
Ao chegar à escola, me encontrei com os outros meninos que estavam jogando bola na quadra. Atirei a mochila em um canto qualquer e corri ao encontro do que eu mais gostava: o futebol. Como eram bons aqueles minutos antes de tocar o sinal para entrarmos em sala! A bola era disputada por todos a berro e empurrões. O suor escorria no rosto logo cedo e, quando tocava o sinal, entrávamos na sala de aula agitados e discutindo sobre quem fizera a falta. Aliás, o jogo era mais de faltas e pênaltis do que estratégias para fazer um gol.
Nós meninos tínhamos um mundo à parte. Estávamos sempre juntos, nas brincadeiras e peraltices. Brigávamos agora e logo depois já trocávamos ideias sobre a próxima aventura. Tinha menino de todos os tipos: alto, baixo, gordo, magrinho, doente, ranhento, briguento, tímido, divertido, mas todos enturmados e envolvidos com aquela fase das melhores brincadeiras infantis. O mundo se resumia aos momentos em que estávamos juntos para nos divertir e dar boas risadas. Inventávamos nossos próprios brinquedos e com eles as brincadeiras. Todos eram meninos, parceiros e amigos de jornada.
E sabe quem eram as meninas para nós? Seres estranhos e desconhecidos. E, até naquele dia, eram um grupo de pessoas excluído de nossas vidas e brincadeiras. Seres enfeitados demais, cheirosos demais, femininos demais e cheios de manias. Qualquer coisa, as meninas saíam correndo para reclamar de nós para as mães ou para a professora. Elas não podiam se aproximar do que considerávamos “coisas para meninos e que menina não entra”. Isso poderia gerar uma briga e um bate-boca de horas a fio.
No dia em que Larissa chegou à escola, algo foi diferente. Foi a primeira vez que parei para observar uma garota. Vestia o uniforme ainda novo e levava consigo, abraçado ao peito, um caderno rosa. Seus movimentos delicados chamaram minha atenção. Ué, quem era aquela graciosidade, de cabelos compridos e saia curtinha? Senti uma fisgada no coração. Algo mudou dentro de mim. O pátio da escola ficou vazio de repente. Os amigos do futebol desapareceram. O céu ficou mais azul e o sol brilhava de um jeito especial. Senti um perfume diferente no ar, um aroma doce, suave que envolveu todo o meu ser. A cabeça ficou zonza e meus ouvidos ensurdeceram. A imagem de Larissa permaneceu na menina dos meus olhos e nunca mais a esqueci.
Aquela menina virou motivo para eu sair ainda mais cedo para a escola, não para jogar futebol, mas para ficar isolado dos demais, com o olhar perdido, buscando alguém. Fiquei alguns dias espreitando a menina dos meus sonhos pelo pátio. Observava os movimentos e o jeito dela de fazer tudo: falar, andar, rir, sorrir, gesticular. Ah, menina linda, encantadora que começou a existir para mim!
Eu não poderia contar nada daquilo a alguém. Meus amigos me matariam se soubessem que eu gostava de uma ME-NI-NA. E isso era verdade! Nunca tinha visto uma menina como Larissa e nem consigo explicar por que ela me chamou tanta atenção. Passei dias suspirando pelos cantos e ensaiando como poderia me aproximar.
Eu sabia que estava apaixonado pela garota mais nova no colégio. Eu sabia, também, que não poderia dizer o que sentia a ninguém. Guardei em meu peito o sentimento mais bonito que vivi. Larissa foi minha primeira paixão e a descoberta para um mundo até então desconhecido: o das mulheres. Larissa foi o sonho de amor dos meus tempos de piá.