Doce ou travessuras?
Nada influenciou mais meu intelecto e caráter do que o cinema.
Entre inúmeros conceitos e estereótipos às vezes inadequados, valores morais são transmitidos anualmente através dos heróis do cinema. Antes de ler nos quadrinhos foi através de um filme que minha memória foi marcada com a célebre frase: com grandes poderes vêm grandes responsabilidades. Quer melhor exemplo que este?
Fazer dezoito anos e sair de casa é mais uma prova da relevância da influência hollywoodiana. Qual jovem adulto sai de casa tão cedo? No Brasil até depois de casados eles insistem em morar com os pais.
Mas tem uma coisa que eu sempre apreciei, mas nunca consegui chegar nem perto de realizar ou contemplar. Desde pequenininho eu quis sair no fim da tarde e início da noite do Dia das Bruxas para fazer como qualquer garotinho norte-americano. Poder perguntar:
- Doce ou travessuras?
Ah, pelo amor de Deus deixe de lado seus preconceitos religiosos e seu analfabetismo funcional e tente compreender do que estou falando.
Qualquer menino gostaria de se juntar com os amigos, andar livremente pela rua – algo que minha mãe nunca deixou – e receber gratuitamente balas e chocolate. Mas não é apenas por este motivo que me empolgava com a possibilidade. O que me fazia aguardar e, consequentemente, me frustrar era a possibilidade de vestir uma fantasia.
Meu sonho de menino não era motivado por gula. Não. Era o desejo de me tornar um herói, mesmo que fosse por apenas uma noite, que me emocionava.
Quando criança não se precisa de muita explicação para você trajar uma fantasia. Você é uma criança. É compreensível. O problema é que sempre precisei ter um porque para realizar qualquer coisa. Nas brincadeiras com os bonecos a pancadaria só acontecia depois de estabelecer alguma rixa ou um motivo palpável para eles se digladiarem. Imagine, então, trajar uma alegoria. Pre-ci-as-va de um motivo.
Depois dos seis anos de idade parei de usar minha fantasia do Batman. Até porque ela não servia mais. O máximo que fazia era amarrar uma toalha de banho no pescoço e subir na mesa quando não havia ninguém casa. Isso durava instantes. Era o tempo da minha mãe ou das minhas irmãs irem à vizinha ou coisas do tipo. Ou seja, não dava tempo de me divertir com a circunstância.
Por isso via no Dia das Bruxas o motivo perfeito para poder vestir uma fantasia sem parecer ridículo. Na verdade, pensando bem, é o único motivo para se usar uma fantasia. Bom, exceto pelos filmes de super-heróis. Mas isso não conta.
Enfim, durante toda minha infância eu arquitetei formas de construir um bom traje. Uma vez eu tive que pagar para minha irmã não me dedurar porque eu havia cortado as mangas e uma parte da gola de uma camiseta azul para fazer o traje do Sub-Zero, do Mortal Kombat.
Em outra oportunidade eu derreti as capas das fitas de áudio do meu pai para fazer bumerangues em forma de morcego. Sabe aquelas coisas que o Batman atira nos bandidos? Foi isso. Ah, e colei várias destas embalagens de plástico em um cinto que tinha para servirem de bolsos do meu “cinto de utilidades”. Eu usei uma vez e depois nunca mais tive coragem.
Não posso me esquecer da vez que desenhei teias e uma aranha no peito de uma camiseta vermelha. A intenção era confeccionar o uniforme do Homem-Aranha. Mas quando me dei conta que não saberia fazer com que debaixo dos braços ela ficasse azul desisti do projeto. Além, é claro, da peça não ser colante e porque minha irmã não tinha óculos de sol com lentes brancas ou espelhadas para eu pôr na máscara.
Atualmente tenho desejado ardentemente um convite para uma festa à fantasia. Estou à espera aguardando quase impaciente o momento de poder me divertir encarnando meus personagens favoritos.
Estou em duvida entre alguns. Minha primeira opção é ir de Alex, do filme Laranja Mecânica. Mas creio que será inviável. Um chapéu compõe o figurino. Não dá para ficar sem se não serei desfigurado. Mas também não consigo coloca-lo. Não cabe.
O segundo é mais fácil. Pensando bem não é tão fácil assim. Onde vou arranjar um terno e um casaco roxo? É difícil de encontrar e muito caro para mandar fazer. A opção da vez é o Coringa, do filme Batman – O Cavaleiro das Trevas.
Não vou abrir minha boca afirmando que é fácil porque não é. A terceira opção é ir de Tony Stark, o Homem de Ferro. Apesar de admitir que eu não possuo o carisma do Robert Downey Jr, é mais viável ir fantasiado como ele. Não como Homem de Ferro, mas sim de Tony Stark. Um terno de qualidade, uns óculos com lente cor de rosa e a barba transformada em um cavanhaque. Barbada! A questão é: como vou arranjar uma lanterna que consiga colocar no meu peito. Esta peça é a chave do figurino.
Acho que a solução seria conseguir uma fantasia de xerife e sujá-la com algo que lembre barro, suor e sangue. A opção mais viável é ir de Rick, do seriado de televisão The Walking Dead.
Pelo jeito vou passar mais um ano sem poder perguntar “doce ou travessuras?”. E quem se importa? Eu quero mesmo é poder usar uma fantasia.
Acho que ando assistindo muito filme de super-herói.