A inescapável pequeneza do ser ( quem dera )
A inescapável pequeneza do ser ( quem dera )
Sem fazer caso da data, foi em 1975 ou 76. Ainda tenho os tíquetes, mas estão escondidos. Anos complicados. Mas tiveram seus pontos fortes. Estávamos envolvidos com a Áustria graças a alegria que A Noviça Rebelde nos transmitia. Éramos seres que se apoiavam um no outro, virgens, que tínhamos que posar como adultos e sabedores de todas as coisas. Um belo dia, vi no jornal, (que ainda não havia a internet ),que haveria apresentações dos Lippizaners ou os Cavalos de Viena no Ginásio do Ibirapuera. Lá fomos nós fanáticos e ansiosos. A agitação , o silêncio nervoso.Os primeiros acordes da musica majestosa com a entrada dos famosos cavalos.Não preciso nem dizer que foi um espetáculo inesquecível. Mas um pouco perturbador, já que os austríacos haviam trazido feno da Áustria para alimentar os cavalos, que acabou retido na Alfândega. Sem comentários. Estávamos tão contentes que depois da apresentação fomos atrás do palco e presenciamos um treinador fazer um dos cavalos refazer a rotina, já que segundo ele, não tinha sido perfeita.Uma noite ótima.Fanático como eu era, havia levado um gravador ( a grande sensação da época ) para gravar as músicas do show. E durante um tempo, ouvia a fita maravilhado com a música de abertura. E queria saber qual era a todo custo e achar o LP . O tempo foi passando, veio filho, vieram os inúmeros e inevitáveis problemas, que não cabem aqui mas que prometo contar nos mínimos detalhes num livro que nunca escreverei. De vez em quando ainda me lembrava da música, a fita, com o tempo, perdeu-se . Tinha vergonha de ir ate uma loja e cantarolar, na esperança que algum vendedor mais atento ( ou meio louco como eu ) reconhecesse e me dissesse é tal e pronto. E de vez em quando vinha a musiquinha. Comprei um livrinho com fotos dos cavalos de Viena para ver se havia alguma coisa com a música. Mais recentemente, escrevi para o site dos cavalos tentando obter o nome da danada. O ano passado tocou na abertura de um dos shows de Andre Rieu,mas quando fui a loja para ouvir o nome estava diferente e não localizei. Como os cavalos eram austríacos, procurei ouvir o máximo de Mozart e Haydn achando que seriam patriotas. Mas nada.
Confesso que andei bem descrente nestas ultimas semanas. Pedi a Deus que me desse demissão da atual encarnação e tudo.Deixei de rezar revoltado.Mas já retomei e fiz um mea culpa de joelhos. Como pedi, pode ser que ainda aconteça, a qualquer hora.
Assisti o Escritor fantasma ( Polanski ).Gostei e não gostei.Aliás , não gostei do final, quando tudo se perde, sem ninguém ficar sabendo. Mas acho que deve ser assim mesmo, quando descobrirmos tudo,ou quase tudo,ou alguma coisa, seja hora de ir embora. Sem que ninguém saiba que nossa busca teve sucesso.
Mas sofro do defeito de pensar. Quem ainda hoje daria importância a uma musica que ouviu há trinta e seis anos atrás e que por algum motivo permaneceu colada em seu ouvido ? Hoje passei de leve pela Cultura. Achei alguns livros do escritor que procurava, que não me chamaram tanto a atenção. De repente um acorde conhecido. De onde conheço esta música? Era a própria. Perguntei no primeiro caixa que me disse para perguntar no andar de cima. Subi com três livros na mão e três degraus por vez e encontrei o Israel, consultando livros. Perguntei qual era o CD que estava tocando. Ele procurou, ligou aqui e ligou lá, até encontrar. E não é que o bandido achou o cd de musica barroca que tinha a “minha” música ? Era o único na loja. E a ultima faixa do cd.
Bom, tudo isso prá dizer, a faixa tem 2:05 min.E aconteceu que eu estava na loja há cinco minutos,e mal ouvia a musica,e devido ao barulho,só me liguei no último minuto.Alguém pode me explicar tal coincidência? “ Procurar é estar distraído?” Quem cochichou em meu ouvido para ir até lá naquele determinado dia e horário, milimetricamente cronometrado?Uma resposta da força superior para me garantir que eu não estou sozinho? Que de algum modo eu importo para alguém que decidiu que era hora de eu saber? Uma reconciliação?
As vezes acho que me questiono demais,mas não consigo parar.Bom, estou aberto para qualquer interpretação que você possa por ventura ter.Saí da experiência renovado.Prefiro pensar que foi uma concessão especial,uma resposta,para o meu comportamento rebelde ( e arrependido) de dias atrás.Uma confirmação de minha infinita pequenez, seja diante de uma força superior, seja uma coincidência.Mas prefiro pensar,para não enlouquecer de vez, que foi um agrado vindo dos céus.Estou ouvindo a música agora com fones.Gostaria de tocar bem alto.Por enquanto fico com o final do Escritor Fantasma. Este quebra cabeça foi resolvido. Mesmo que só eu saiba.Mas sobram outros.Quem sabe? Pelo menos agora sei que as vezes uma solução é possível. Que existe algo que desafia a minha imaginação sobre o céu que protege a minha inegável condição de grão de areia.