"CÃES" & "GATOS"
Quando queremos dizer que alguém tem problemas de caráter, costumamos dizer que o sujeito é um “cachorro”. Assim como o brilhante Daniel Godri, não considero essa uma boa analogia, pois os cães conseguem se tornar amigos dos humanos e os defendem expondo até mesmo as suas vidas. Talvez a melhor comparação para gente desse tipo seja com os felinos, porque eles vivem nos rodeando, ronronando, pedindo carinho e ração, mas quando estamos em perigo, eles são os primeiros a desaparecer.
Esse pensamento me veio à cabeça logo após os resultados das eleições municipais do dia 07 de outubro de 2012, quando meu candidato perdeu. Desalentada, ferida na alma, ouvindo os carros de som passarem e os fogos de artifício espocarem, sentei-me ao computador e entrei na página do Facebook. Então, com ânsias de vômito, eu assisti aos “nossos” “cães” (e também àqueles que eu julgava pertencer aos outros adversários), virando “gatos” e passando a ser “cães” do ganhador.
Penso que os eleitores escolhem seus candidatos pautando-se em um, vários ou em todos esses pontos a seguir: a) parentesco; b) amizades de longa data; c) afinidades ideológicas; d) conjunto de competências técnicas e morais para o exercício do cargo pleiteado; e e) interesses pessoais (quase sempre espúrios). Há ainda os que não são movidos por nada disso, pois fazem parte da “manada cega”, que caminha para onde o seu “dono” empurra.
Difícil julgar as reais causas de as pessoas se transmutarem com tanta facilidade para “gatos” ou para “cachorros”, mas reconheço que isso agora não vem ao caso. O que me importa refletir é se esse é um problema insolúvel ou se a educação pode dar conta dele. Talvez a base dessa questão seja cultural, pois dois mitos prevalecem e têm impedido que ela cumpra o seu papel de transformar para melhor o ser humano: “Eu odeio política” e “Educadores não podem discutir sobre política”.
Para os adeptos da primeira “desculpa” acima, eu transcrevo abaixo o texto de Bertolt Brecht, torcendo para que saibam interpretar:
“O pior analfabeto é o analfabeto político. Ele não ouve, não fala, nem participa dos acontecimentos políticos. Ele não sabe que o custo de vida, o preço do feijão, do peixe, da farinha, do aluguel, do sapato e do remédio dependem das decisões políticas.
O analfabeto político é tão burro que se orgulha e estufa o peito dizendo que odeia a política. Não sabe o imbecil que, da sua ignorância política, nascem a prostituta, o menor abandonado, e o pior de todos os bandidos, que é o político vigarista, pilantra, corrupto e lacaio das empresas nacionais e multinacionais.”
Para aqueles que pensam que os educadores não podem conduzir reflexões de ordem política, eu digo que isso só não é possível se ele for fajuto. Esse é um bom adjetivo para quem não possui o requisito básico para merecer o título, ou seja, a sua educação é deficiente. Também é adequado para aqueles que se fingem, mas, no fundo e no raso, são movidos pelo desejo de poder ou de dinheiro.
Como há 57 anos eu tenho sobrevivido bem sem ser movida por esses dois motivos acima, suponho que viverei outros tantos. Então, por idealismo e por respeito, desejo, do fundo do coração, que o novo Prefeito faça uma excelente gestão. Contudo, é importante saber que nem isso é garantia de que, um dia, os seus “cães” não se transformarão em “felinos”.