O bem-te-vi e o sem teto
Acertei de primeira, era um bem-te-vi. Foi algo de intuição, não sei. Eu não conhecia um bem-te-vi quando vi aquela pássaro, mas quando digitei no "Google imagens" a palavra "bem - te - vi" lá estava o passarinho bonito de peito amarelo que eu vi perto da piscina do prédio e chamou as atenções minha e de minha mãe.
O bem-te-vi nos atraiu porque em casal tentava puxar os ramos de um ninho que havia caído com a chuva. Minha mãe explicou que era o ninho deles, estava atrás da tabela de basquete e foi derrubado pelo temporal que houve dias atrás. Agora eles devem estar construindo o ninho nas árvores que ficam na lateral do prédio e já são tomadas por uma comunidade grande de passarinhos que brindam quem os quer ouvir com cantorias diárias muito interessantes.
Eles estão meio chateados, mas compenetrados em reaver um lar, em poder morar de novo, viver de novo, cantar de novo, anunciar de novo que bem nos viram. Eles vão juntando o que resta da construção antiga e devem arranjar mais material nos restos de alguma árvore, em algum canto, algum terreno baldio.
Começo a comentar com a minha mãe sobre a perfeição da natureza, sobre o quanto Deus nos mostra a força da perseverança, da luta... Sobre o quanto aqueles pássaros eram retrato da maravilha natural em que estamos inseridos e teimamos em achar que deve adaptar-se a nós.
Foi aí que eu me lembrei dos milhões de guerreiros que não tem a sorte do bem-te-vi, pois tem suas casas devastadas não somente por temporais, mas por incêndios criminosos, especulação imobiliária cruel, capitalismo exacerbado visando o lucro, fisco, interesses dos grandes que são ricos às custas de sua pobreza. Lembrei-me dos sem-teto que tentam, como os bem-te-vis manter-se em seus ninhos, mas mais que contra os temporais, são obrigados a lutar contra as aves de rapina que os querem morando em qualquer lugar que não seja muito próximo a este planeta.
Lembrei-me ainda dos bem-te-vis que são enxotados dos ninhos que encontraram inúteis e resolveram transformar-lhes em lar. Um lar sem luz, sem água, sem camas e cobertores, sem tranquilidade, sem Estado, sem saúde, paz ou dignidade. Enxotados por uma "justiça" que de tão pobre se prostituiu, travestida de justa e servindo aos ricos; por uma empresa que ainda agonizando na falência resolve oprimir os pobres.
Quantos e quantos companheiros, como os bem-te-vis, buscam destroços reaproveitáveis imediatamente após a enchente, o incêndio, o vendaval ou a demolição. Lamentam-se pois Estado e capital só ouvem Adoniram quando Mato Grosso diz que "os homem tão com a razão, nós arranja outro lugar", repetem-nos quando, em "Despejo na Favela", ele diz "ôoo, é ordem superior", mas jamais o escutam quando desesperado após dizer que sua mudança de tão pequena cabe no bolso de trás pergunta: "Mas essa gente aí, hein, como que faz?".
Agora o bem-te-vi voltou e pegou mais um raminho. Para onde vai não sei se sabe, as árvores parecem lotadas, mas o espírito irmão das demais aves por certo lhes deixará um cantinho. São bem-te-vis de Pinheirinho, Vila do Nilo, Tiquatira, Vila Andrade e Pau Queimado. Bem-te-vis Favela do Moinho, Eliana Silva... Bem-te-vi MST, bem-te-vi Guarani Kaiowá, bem-te-vi Eldorado dos Carajás, bem-te-vi cracolândia. Bem-te-vi negro, pobre, trabalhador. Bem-te-vi. Eu bem que te vi, guerreiro de fé.
Numa manhã de domingo eu redescobri o bem-te-vi. O bem-te-vi me lembrou de meus irmãos. O bem-te-vi me lembrou de cada guerreiro. O bem-te-vi me lembrou que quando morar é privilégio ocupar é um direito. Lembrou dos incêndios criminosos, da justiça dos poderosos e dos mortos pela causa. Bem te vi, Chico Mendes... Bem te vi, Dom Helder Câmara. Obrigado ao bem-te-vi que ao tentar reconstruir seu ninho meu ajudou a lembrar que SOMOS TODOS SEM TETO.
* Texto dedicado a TODOS OS GUERREIROS SEM TETO, SEM TERRA, INDÍGENAS AMEAÇADOS E COMPANHEIROS DE LUTA.
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SOMOS TODOS SEM TETO!