Igor (Em semi-coma)

O sofrimento era visível no rosto da tia.

Ao dar socorro ao sobrinho que convulsionava durante mais de sessenta minutos, ela não percebeu a tamanha gravidade do problema. Saíra sem nem ao menos o dinheiro do táxi. O taxista ao ver o fato, deixou pra lá, como solidarização. Os pais estavam trabalhando e só souberam depois que ela pediu favor à um estranho para ligar pois esqueceu o seu celular em casa.

No hospital, após várias convulsões, gritos de delírios e muitas injeções de Diazepan o garoto consegue por alguns momentos ver o pai chorando na cabeceira da cama e balbucia: "Pai, eu te amo", bem baixinho. Apaga. Entra em um pré-coma que se prolonga até hoje.

Algumas horas antes, o garoto de 10 anos sentia o corpo mole e ela, a tia, ao sentir o corpo febril, mandou-o deitar-se para descansar após dar-lhe um remédio para febre.

Algum tempo depois, ele acordou gritando, dizendo que estava tudo estranho e ao mesmo tempo entrando em convulsão. Parecia que tinha conhecimento do que estava acontecendo consigo.

Até aquela data o garoto vinha com a saúde normal. Estudava, brincava e fazia tudo o que era pertinente a um garoto da sua idade.

Mas o destino reservara uma tristeza a essa família. Uma doença altamente perniciosa ao cérebro havia se instalado. Era genética e muitíssimo rara, só aparecendo em crianças do sexo masculino entre a idade de 11 a 15 anos. Um mapeamento genético comprovou o fato.

Depois disso, uma cirurgia para separar as calotas cerebrais para diminuir as convulsões que eram de cerca de 20 e passaram para três ou quatro ao dia, no hospital. Após essa melhora, foi mandado pra casa, no sistema home-care que trata dos pacientes em casa com atendimento hospitalar.

Alguns dias antes:

- Mãe, fique calma, deixe que eu vou cuidar disso.

Igor viu a mãe reclamar dos evangélicos chamando na porta da casa e ela não tinha mais a paciência de antes, após deixar o feijão da família queimar umas duas vezes por ter sido atenciosa.

Ele levava um tempão conversando lá na porta com o pessoal que se achava assim não discriminado e que de qualquer forma conseguia passar o evangelho para alguém, mesmo que fosse um menino de dez anos, na época.

- Mãe, olha o que eles me deram! Mostrando à mãe as revistas ou pequenos papéis com ensinamentos e conselhos evangélicos que ele recebia dessas pessoas após a visita.

- Só você mesmo, Igor, ria a mãe, feliz por ele ser assim, tão tranquilo.

Ele era realmente um pouco Zen. Era um menino feliz.

A mãe relembra isso chorando, evitando que ele a veja chorar para não entrar em nova crise convulsiva. Aparentemente, nada pode deixa-lo nervoso, pois entra em crise.

A luz do sol, ou qualquer luz direta sobre os seus olhos, barulhos repetitivos, sirenes, são coisas que seu cérebro, seus neurônios absorvem de forma negativa, causando circuitos em suas sinapses e entrando em crise convulsiva.

Isto tudo são conjecturas, observações empíricas que as pessoas envolvidas conseguem captar.

Uma doença cerebral tão rara que acontece da noite para o dia, sem avisos, em qualquer pessoa em crescimento e com suscetibilidade genética. Ele era absolutamente normal até os seus dez anos.

A mãe havia comprado um Tablet para dar de presente em janeiro de 2012, mas não teve a oportunidade, pois o problema começou pouco antes do dia do seu aniversário. Fez 11 anos naquele janeiro.

A partir dai, quase dois meses em coma, paradas cardiorrespiratórias no hospital, crises convulsivas e vários problemas inerentes à doença, como escaras e coisas decorrentes de um corpo que fica muito tempo na cama. Acontece com qualquer paciente se não for muito bem cuidado.

Por isso se usa muito o Home-care devido à atenção exclusiva, coisa que não se consegue nos em hospitais, pois é grande a quantidade de enfermos.

A mãe entrou em depressão, não saía do hospital, comia muito pouco. O sofrimento da família era geral.

Aos poucos, com uma pequena melhora, o hospital decide dar alta e enviá-lo para casa para ser tratado em Home-care, um sistema alternativo muito em voga no país, para dar maior qualidade na recuperação de pacientes, devido à presença dos familiares, além de uma maior atenção, como já citei antes.

Ele não consegue mais conversar, interagir. Só observa, aparentemente absorto e assim mesmo, muito raramente demonstra alguma reação, a não ser para algumas coisas como falei no começo.

Um dia, a técnica de enfermagem do plantão observa-o dormindo e vê que ele está sorrindo. De repente ele dá verdadeiras gargalhadas, várias, mostrando felicidade num rosto que nem sequer sorri quando está em estado de vigília.

A mãe é chamada para ver, se emociona e pega uma máquina para filmar, fotografar, registrar o evento enfim. É uma pessoa mais calma hoje, está frequentando um centro espirita (kardecista) e isto parece tê-la fortalecido. A família faz orações toda noite. É uma família unida.

Ao ver o filho sorrindo, começa a contar algumas histórias do filho, de quando ele estava bem. De suas brincadeiras, de uma dança do sapo que ele inventou. Emociona-se algumas vezes. A técnica ouve sempre em silêncio e a reconforta com algumas palavras.

Quando o menino acorda a técnica pergunta se ele se lembra do sonho. Ele, com os olhos fixos em algum lugar que não sabemos definir, sequer pisca.

A mãe chega e pergunta se ele sonhou com uma menina da escola que ele frequentava e parecia gostar dela. De repente, ele sorri levemente. Interagiu! Que bom!

Mas são pequenas imersões na realidade. Não é o normal.

Parecendo que nos sonhos seu espírito se liberta, aproveitando a melhor parte cerebral para a partir dai se mostrar visivelmente na face, nos músculos da boca permitindo sorrisos, gargalhadas, coisa que não consegue mais no estado de vigília (pois aí o corpo é quem mais domina e não tanto o espírito (teorias espíritas)), devido às várias atrofias nos membros em geral ocasionadas pela doença e à falta de uso dos músculos.

A mãe guarda o Tablet na caixa até hoje e fala da esperança de vê-lo usar, pois era um menino muito aplicado na escola. Arrepende-se de ter guardado para entregar no dia do aniversário, pois hoje, apesar de tê-lo entregue, ele já não pode fazer uso.

No seu espírito esperançoso de mãe, carrega consiga esse fardo (será?) de uma doença cruel que não escolhe as suas vítimas. De qualquer classe social.

Por sorte (ou não) ele não faz parte da maioria absoluta do povo brasileiro que depende do SUS para morrer mais rapidamente. Vamos torcer para que o quadro se reverta. Improvável, mas nada é impossível, isso tenho aprendido nesta vida.

10/12