Ah, coitadinha dela
Eu tenho um hábito que não consigo evitar: o de prestar atenção em todas as conversas ao meu redor. Alguns acham que isso me tona um enxerido e fofoqueiro. Prefiro-me declarar como um bom observador. Depende do ponto de vista.
Tudo depende do ponto de vista. Tudo na vida é paradoxal. Nada é preto no branco. As inúmeras hipóteses motivacionais por trás de cada detalhe existencial nos torna uma caixinha de surpresas ambulante. E faz com que nosso senso de justiça se torne uma expressão de conveniência e egoísmo.
Enfim, gosto de prestar atenção nas conversas alheias. Principalmente no ônibus. Aprecio confabular toda a história por trás do desconhecido que fala. Imagino toda sua vida em questões de segundos. Seus sonhos, suas frustrações, seus desejos. Tudo aquilo que faz dele um indivíduo. Sem nunca trocar uma palavra com ele formo uma pessoa ao qual me relaciono durante toda a conversa que não participo.
A mais recente foi o dialogo de duas jovens mulheres. Elas debatiam sobre os problemas conjugais de uma delas. Estava enfrentando uma tempestade em seu namoro. Havia acontecido alguma coisa com seu noivo. Ele não era mais o mesmo. Tentou conversar com ele sobre isso, mas não obteve sucesso. Ele não compreendeu as questões levantadas. Ficou em silêncio enquanto ela falava, mas justificou ponto por ponto depois.
Ri em silêncio. Qualquer problema que a relação pode ter é responsabilidade masculina. Logo pensei: este sujeito não deve ser muito inteligente. Homem inteligente sempre é o culpado.
Voltando a conversa das amigas. A que falava começara pacientemente. Não havia aumentado o tom de voz e usava uma linguagem cordata. Na medida em que ia desabafando a ira com seu noivo também ia exalando. A princesa se tornara uma bruxa. Apesar de não gritar, toda a sorte de ofensas e adjetivos constrangedores tomou não só o banco de trás, onde eu estava, mas o ônibus inteiro.
Mulher quando quer sabe ser cruel e humilhar um homem. É só apelar para seu desempenho na madrugada.
Enquanto sentia pena do pobre rapaz que escolhera aquela desalmada para amar, a conversa chegava ao ponto mais importante: o defeito dele que a tem incomodado tanto. Ajeitei-me na poltrona para pode ouvi-la com clareza. Ela falou com algumas coisas sem nexo para não ser considerada tão terrível assim e confessou. O que estava irritando a princesinha era...
Era...
O que estava a irritando ao ponto dela pensar em terminar seu relacionamento era a sensibilidade que seu noivo estava apresentando.
Apenas isso. Nada mais. Ele não era ríspido. Ele não era mulherengo. Ele ERA compreensivo. Mas era exageradamente sensível.
Aos olhos dela ele não era mais o galã que havia a conquistado. Ele parecia um menino. Ela não se sentia sua namorada e amante. Ela se via como sua mãe.
Ele havia demonstrado doses exageradas de sentimentalismo ao assistir um filme sobre um cachorro da mesma raça que ele tinha quando pequeno. Ele vinha falando cada vez mais sobre medos e traumas que ainda possuía. Ele não parava de assistir a uns filmes europeus em preto e banco. Sem contar o fato de nunca gritar com ela ou impor alguma exigência.
Que vontade de xingá-la. Vontade de chama-la de menina mimada e incoerente. Vontade de defender o pobre coitado que era ultrajado simplesmente por se tornar tudo aquilo que uma mulher sonha.
Em meio à sede por justiça que gritava em meu interior lembrei algo fundamental: somos hipócritas. Não me refiro apenas às pessoas que estavam naquele ônibus ouvindo o desabafo daquela íntima estranha. Mas sim em geral. A espécie humana como um todo. E é claro, das mulheres em especial.
Toda, definitivamente toda mulher deseja um homem “sensível”. Mulher reclama que homem não conversa muito e não demonstra o que está sentindo. “Parece um estranho às vezes”.
Mas espera a até ele se sentir à vontade para começar a expor suas intimidades emocionais. Ela vai começar na hora a questionar se ele é homem para ela.
A maioria das mulheres reclama que os homens não dedicam tempo suficiente para ouvi-las falar sobre todas as questões, anseios e traumas de sua vida. Aí eu me pergunto: uma mulher ouviria o homem confessar seus medos, suas frustrações e inseguranças? Até ouviria. Mas depois ficaria igual minha amiga do ônibus.
Por quê?
Ora, porque mulheres não são compreensivas. Não que elas não se esforcem para isso. Mas algo nelas grita mais alto. A necessidade de ser cuidada e amparada.
Não venham as feministas de plantão me repreender. Toda mulher têm a necessidade de se sentir segura ao lado de um homem. Por isso que elas não suportam a sensibilidade masculina. Porque isso diz inconscientemente a sua natureza que este sujeito não é apto para protegê-la e ampará-la.
É por isso que é verdade sim, que mulher olha para o dinheiro do sujeito.
Compreendi a coitadinha. Seu noivo não estava transmitindo hombridade suficiente, apesar de achar que estava se comportando como um príncipe encantado.
É um paradoxo. Tudo depende do ponto de vista.