PÉ DE GALO *
Por Carlos Sena
Quando estudante de Sociologia, fomos conduzidos pelo professor de Antropologia, a um centro de macumba. A orientação era que iríamos observar naquele centro aspectos peculiares daquelas correntes como o tipo de toque, as indumentárias, e o próprio ritual em si. Fomos informados também que visitaríamos outros centos de outras denominações diferentes, exatamente como parte dos nossos estudos sobre o Sincretismo Religioso Brasileiro.
Diversas vezes fomos a esse centro ao ponto de fazer amizade com algumas pessoas de lá, inclusive a “mãe de santo” – figura central que comandava todos os trabalhos e invocava as entidades. A mãe de santo, pelo que nos diziam, era casada, tinha filhos, mas não amava o marido e pai dos seus filhos. Tudo indicava que o marido também não gostava mais dela, razão pela qual era “cada um por si e a entidade dela por todos”. Nós, católicos, dizemos “cada um por si e Deus por todos”, como costumamos falar. Pois bem. A mãe de santo parecia mais uma “rainha” do que mãe de santo, tamanho era o poder que ela tinha no bairro e dentro do seu próprio centro. Seu amante, como não poderia deixar de ter, era seu principal colaborador nas tarefas do centro. Era ele também quem monitorava, digamos assim, os frequentadores que tinham consulta marcada com a entidade por nome PÉ DE GALO. Tudo indica que esse “Pé de Galo” era poderoso, pois havia pessoas no bairro que não faziam nada na vida sem antes ouvi-lo em consulta ou através de “recados”. Por falar nisso, RECADO é uma palavra muito presente nos centros no geral, e naquele no particular. Significa mesmo o que o nome sugere, UM RECADO, só que não é dado nem mandado por pessoas como nós, mas pela intuição dos frequentadores, pelos principais mentores e pela própria mãe ou pai de santo. O ruim desses recados é que tudo é transformado nele e, muitas vezes, nada tem a ver com algum acontecimento ou premonição de nada. Mas, isso é um detalhe que a maioria dos centros leva a sério, até demais. Se a porta bater com força é um recado. Se chover no verão, eis outro recado ou coisa do tipo.
Mas, a mãe de santo como disse, “reinava”. As festas do santo, os rituais de “limpeza” do corpo por ocasião do ano novo, reuniam centenas de pessoas. Houve uma dessas festas que a rua ficou fechada, literalmente. Isso representava mais o prestígio da mãe de santo, acredito, do que mesmo a fama do PÉ DE GALO. Quem era que organizava tudo? O amante da mãe de santo. Houve ocasiões em que ele próprio invocava a entidade PÉ DE GALO e, sabe-se Deus como, ele “baixava”. Eu, no meu canto quieto, não dava um pio. Contudo tinha e ainda tenho minhas reservas, mas permaneço com todo meu respeito às crenças diversas, pois afinal nosso país é laico. Mas, no geral, onde estava a mãe de santo, estava o amante. Na verdade o centro deles era a própria casa do amante que assim foi se transformando. Eles terminaram por alugar outra casa e deixar aquela só para funcionar como o centro de macumba que já se tornava referencia no bairro. Até pessoas do Recife já estavam marcando consulta, tamanho era o crescimento daquela casa “espiritual”.
Por Carlos Sena
Quando estudante de Sociologia, fomos conduzidos pelo professor de Antropologia, a um centro de macumba. A orientação era que iríamos observar naquele centro aspectos peculiares daquelas correntes como o tipo de toque, as indumentárias, e o próprio ritual em si. Fomos informados também que visitaríamos outros centos de outras denominações diferentes, exatamente como parte dos nossos estudos sobre o Sincretismo Religioso Brasileiro.
Diversas vezes fomos a esse centro ao ponto de fazer amizade com algumas pessoas de lá, inclusive a “mãe de santo” – figura central que comandava todos os trabalhos e invocava as entidades. A mãe de santo, pelo que nos diziam, era casada, tinha filhos, mas não amava o marido e pai dos seus filhos. Tudo indicava que o marido também não gostava mais dela, razão pela qual era “cada um por si e a entidade dela por todos”. Nós, católicos, dizemos “cada um por si e Deus por todos”, como costumamos falar. Pois bem. A mãe de santo parecia mais uma “rainha” do que mãe de santo, tamanho era o poder que ela tinha no bairro e dentro do seu próprio centro. Seu amante, como não poderia deixar de ter, era seu principal colaborador nas tarefas do centro. Era ele também quem monitorava, digamos assim, os frequentadores que tinham consulta marcada com a entidade por nome PÉ DE GALO. Tudo indica que esse “Pé de Galo” era poderoso, pois havia pessoas no bairro que não faziam nada na vida sem antes ouvi-lo em consulta ou através de “recados”. Por falar nisso, RECADO é uma palavra muito presente nos centros no geral, e naquele no particular. Significa mesmo o que o nome sugere, UM RECADO, só que não é dado nem mandado por pessoas como nós, mas pela intuição dos frequentadores, pelos principais mentores e pela própria mãe ou pai de santo. O ruim desses recados é que tudo é transformado nele e, muitas vezes, nada tem a ver com algum acontecimento ou premonição de nada. Mas, isso é um detalhe que a maioria dos centros leva a sério, até demais. Se a porta bater com força é um recado. Se chover no verão, eis outro recado ou coisa do tipo.
Mas, a mãe de santo como disse, “reinava”. As festas do santo, os rituais de “limpeza” do corpo por ocasião do ano novo, reuniam centenas de pessoas. Houve uma dessas festas que a rua ficou fechada, literalmente. Isso representava mais o prestígio da mãe de santo, acredito, do que mesmo a fama do PÉ DE GALO. Quem era que organizava tudo? O amante da mãe de santo. Houve ocasiões em que ele próprio invocava a entidade PÉ DE GALO e, sabe-se Deus como, ele “baixava”. Eu, no meu canto quieto, não dava um pio. Contudo tinha e ainda tenho minhas reservas, mas permaneço com todo meu respeito às crenças diversas, pois afinal nosso país é laico. Mas, no geral, onde estava a mãe de santo, estava o amante. Na verdade o centro deles era a própria casa do amante que assim foi se transformando. Eles terminaram por alugar outra casa e deixar aquela só para funcionar como o centro de macumba que já se tornava referencia no bairro. Até pessoas do Recife já estavam marcando consulta, tamanho era o crescimento daquela casa “espiritual”.
Paulatinamente, como num passe de mágica, o centro foi caindo. Nós que não vivíamos lá dentro, ficamos sem compreender muito bem. Contudo, a gente ouvia as fofocas em volta. Pensem num lugar pra ter fofoca é um centro de macumba! Talvez só perca mesmo para os salões de cabeleireiros, mas nada além do folclórico e fora das responsabilidades espirituais. Fato é que o casal parecia está em crise. Belo dia veio a notícia: o centro fechara definitivamente! Mas, qual o porquê, perguntei aos amigos. Gaia, respondeu um. O outro que estava perto complementou: foi gaia e da grossa. Mas quem botou gaia em quem, perguntei de novo. Finalmente soubemos do resumo dessa ópera bufa: o amante da mãe de santo era vinte anos mais jovem do que sua mulher. Achou de se apaixonar por uma menininha da sua idade já fazia um ano e a mãe de santo não sabia. Quando ela soube foi através de uma amiga sua que, por acaso, viu seu amante com a outra numa balada na cidade de Olinda. A mãe de santo, coitada, sofreu mais do que sovaco de aleijado, ou do que bode embarcado. Mas, segundo disseram, o maior desespero e revolta dela é que PÉ DE GALO (sua entidade espiritual) não houvera lhe informado nada antes. Logo ela que conseguiu avisar de situações semelhantes a diversas pessoas que acorriam ao seu centro. A miserável da mãe de santo perdeu mais de dez quilos e, desenganada da vida e decepcionada com sua entidade espiritual, decidiu fechar o centro que não reabriu até hoje... Nós, na qualidade de estudantes, fomos procurar outra “freguesia” para observar dentro da proposta do professor acerca do nosso Sincretismo Religioso.
*Crônica adaptada de uma situação real vivida pelo autor quando estudante de Sociologia na UNICAP-PE.