Mês que vem

Não se sabe o que acontecerá mês que vem. As coisas pisam em meu pensamento. Tudo está aflito, e meus olhos nostálgicos. Falta dinheiro, falta comida, falta espírito, tudo está ausente. Não sei como viver. As contas se acumulam. O álcool me tenta. As saídas fáceis ficam sempre à porta. Por trás dos tijolos mal acabados, esconde-se a pólvora.

Os poetas dizem que a arte me salvaria, mas meus quadros não se vendem, minhas histórias não contam cédulas, e minha interpretação é invisível. Minha labuta então, vale menos que a arte, após meses de cansaço ganho nada para tentar suprir tudo. Devo ao mundo e ao submundo.

Tenho nada a dar, só luz ao meu rebento. Um acidente do álcool e um qualquer. Menos dinheiro. Aborto talvez. Como poderei viver e ainda dar vida. Não me supro. Como supriria meu filho? A clínica diz que seria perdoável se eu fosse uma vítima de um desejo alheio que me forçou, e que se quisesse, esse seria o motivo. Mas ele é vida, ou só pedaço de carne? Talvez o melhor seja Dona Rosa que me ofereceu mundos pela cria. Começo a vê-lo como um produto. Limpo sempre lá na rua onde mora Dona Rosa. Sempre o verei. Estou apertada, encurralada num beco. Vai nascer mês que vem, tenho que pensar.

Rosa me liga sempre. Sabe que sou pobre. Ela me tenta pelo dinheiro. Quero ser mãe, mas não fadada a parir meu rebento nessa ruína. Vai ser difícil se eu o tiver, ele não irá resistir. Muita droga, muita pólvora, muito mau caminho.

Além de Rosa, tem Seu Eugênio, velho romântico. Sua aposentadoria é tão grande quanto o jequitibá que desfaz as calçadas daquela rua. Sempre uma rosa, e uma promessa de vida. Já vi dele até aliança. Ele também quer meu filho, mesmo pai não sendo. Fazermos uma família. Sou jovem. Anos a menos que Eugênio, mas a promessa de vida... Penso que deveria acolhê-la. É um velho amoroso. Eu teria uma boa vida. Mas e se for só sexo? Dona Amália diz que ele é tarado e adora as moçinhas. Ela é dona de uma galeria, que outrora dei meus quadros e minha poesia, mas até hoje não vi renda minha, nem amor a minha arte.

Decisões minhas, fardos pesados. Até mesmo o que tenho na barriga pesa, quase quebra a coluna. A lei me diz que vender meu filho é crime, mas por enquanto é única de minhas obras que tenho a negociar. Sou artista, mas limpo casas. Sou culta, mas emburro com a poeira. Sou menina, mas prenha. Sou grávida, mas não sou mãe. Vendo ou jovem caso com o velho.

Gabriel Troian Trevisan
Enviado por Gabriel Troian Trevisan em 30/10/2012
Código do texto: T3959214
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2012. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.