PERSONAGENS DO COTIDIANO
Flavia Costa

Todos os dias, no carro, a caminho do trabalho encontro personagens constantes. A senhora que parece ainda viver no interior e está sempre com os pés no chão, roupas sujas e cabelos desgrenhados; o moço tímido, vestido às vezes com roupa mais esporte, outras, traje mais social, mas sempre com a mochila nas costas; há também o homem com o macacão azul, sempre com a mão direita sob o uniforme, bem no coração; vez ou outra, também encontro pelo caminho a mulher que parece estar indo trabalhar, mas aproveita a distância entre a casa e o batente para fazer uma caminhada e perder alguns quilinhos. São pessoas que encontro diariamente, não sei o que fazem ou pensam, mas sem que percebesse, de tanto vê-las, criei uma história para cada uma delas.

A senhora que parece ainda morar na roça, quanta coisa já viveu, quantos quilos de lenha já deve ter carregado nas costas, quantas vezes já acendeu seu fogão à lenha e preparou o alimento típico do interior. E, o que faz com que essa senhora mesmo vivendo na cidade ainda preserve hábitos interioranos como procurar lenha pela paisagem urbana? Seria esse jeito de viver a sua essência? Penso nisso e não consigo encontrar uma resposta, o que sei é que sempre que a vejo lembro-me de uma frase dita por um colega de trabalho “têm pessoas que saem da roça, mas a roça não sai delas”, não há dúvida é o caso desta senhora.

Bem, o rapaz tímido com mochila nas costas, talvez seja o personagem mais antigo do meu caminho. Encontro-o cada dia em um ponto diferente do meu trajeto. Sei que ele anda bastante para chegar ao seu destino e, às vezes, tem um olhar triste. Ele é magro, tem um rosto fino e delicado é alto e até bonito. Suponho que depois do trabalho ele estude, parece-me uma pessoa responsável e comprometida com o que faz. Durante um tempo fiquei sem vê-lo, ao reencontrá-lo pensei: olha O Meu Amigo. É assim que o chamo, apesar de não saber seu nome, onde mora ou trabalha me sinto próxima a ele e sinto sua falta quando não o vejo.

O homem com o macacão azul, sempre com a mão no peito, faz algum tempo que não o encontro. A primeira vez que o percebi pensei que pudesse estar sentindo algo no coração, depois concluí que era uma mania, assim como o fato de parecer que ele nunca lava o macacão. Não importa o dia da semana, de segunda à sexta, sempre com o uniforme sujo. Com relação à mania de pôr a mão direita no coração, cheguei à conclusão que ele a coloca por debaixo do macacão para aquecê-la e prepará-la para o longo dia de trabalho. Mas, tenho andado apreensiva ultimamente, pois não tenho o visto e me preocupa a ideia que a mão no peito fosse o prenúncio de algo mais grave. Espero que não.

A mulher que faz caminhada até o trabalho demorou um pouco a chamar minha atenção, mas percebi sua existência, principalmente, depois que ela emagreceu. Vejo-a vez ou outra, sempre com mochila nas costas, bermuda preta colada à coxa. Normalmente, encontro-a perto do cemitério. Acredito que quando resolveu caminhar foi motivada pelo receio de usar não só a calçada, mas também a parte interna do mesmo. Ainda bem que ela tem progredido em seu intuito e eu torço muito por ela.

São essas algumas das pessoas que fazem parte do meu dia. Sempre me pergunto onde está esta ou aquela. Elas não sabem que eu existo, eu também não sei os seus nomes ou a realidade sobre suas vidas, mas elas são importantes para mim, pois preenchem uma parte do meu dia. Caso tivesse a oportunidade de conhecê-las, talvez, não aceitaria, certamente perderiam o encanto e a graça. Gosto de imaginá-las, de criar histórias sobre elas. Elas ocupam o meu dia e instigam a minha criatividade, são os personagens do meu cotidiano.