Chuva

“Tenho medo de trovões”,ela me confessou,enquanto tomávamos néctar diretamente dos cálices das flores.Estava quente e estávamos sentados num banco suspenso por correntes de ar.”mas anseio pela chuva como anseio pela luz.Mas não aquela garoa gelada que só incomoda e não molha nada,ou molha tudo.Anseio pela chuva forte,com ventos indiferentes e cortantes que penetram em todas as frestas.Quero a chuva forte que me faça ajoelhar para o prazer,que me force a deitar e me penetre profundamente como se eu fosse feita de terra.A chuva que me domine a força e me faça rir enquanto me afoga aos poucos.Que desmanche meus medos como se fossem torrões teimosos,mas me deixe fértil e preparada.Espalhe as ervas daninhas para que escorram pelo ralo.Deixe a semente plantada para que a planta cresça forte com suas raízes,caule e flores.Que frutos só saberei mais tarde.Que percorra todo o meu corpo com suas línguas rápidas e ávidas e me deixe as pernas bambas, me fazendo rir ou chorar,não importa.Que me mostre o que o numero quatro pode fazer comigo,me sacudindo ,me levantando para fora do chão e depois me colocando suavemente de pé,mais fraca agora ( a chuva ) quase garoa ( a chuva ) gotejando lentamente pelos meus cabelos,peito,coxas e pés, até meu corpo secar.Depois, que eu possa me sentar entre as folhas,vestindo minha túnica de vento,puxando as franjas para cobrir os pés frios.”E eu ,atônito,sem saber o que dizer depois de tanta poesia pluvial,ofereci minha mão.E eu disse : Joguei a corda para o teu lado do abismo.Você pegou,olhou bem para ela e a deixou cair nas sombras sem entender que eu precisava de você.” Ela me olhou como se não entendesse aonde o que eu disse se encaixava.E riu,um riso de deboche.” Acaso não percebes a proposta que te faço?” Ela disse. E respondi “ Sou fraco e não conseguiria te dominar como desejas que a chuva te faça. Apenas jogo minha corda para mantermos contato e quem sabe achar uma saída juntos.Mas imagino que você queira a plenitude da luz.Que te recorte em tiras,penetre no âmago de teu ser,te fazendo sentir completa.Que te faça rodopiar e dar cambalhotas enquanto prende teus braços e te possui cegamente.Ofuscando ate teus próprios sonhos de prazer indo e voltando dentro de ti,indo e voltando enquanto estiras a cabeça para trás e gritas ao vento,explodindo.E abraças a luz e a brisa do mar como abraçastes a tempestade e seus ventos.Com prazer .E depois te deixe só na escuridão com as gotas de luz secando pelo corpo,enquanto te deitas em folhas secas com tua túnica de espuma do mar.”Você me olhou,como se olhasse alguém que lia um livro de poesias em voz alta.Como se eu pudesse te dar o que você queria,precisava.” Sou apenas um amante mediano,com pouca chuva e pouca luz.Posso de dar o que posso te dar.Se esperas plenitudes de mim,repito, sou apenas mediano.” Trovejava forte agora,e ela se achegou a mim.Abracei-a como pude e fiz um carinho tímido.Beijei-lhe os cabelos encharcados de chuva e brilhantes de gotas de luz e a tomei delicadamente,como sou,com jeito.Passei as minhas mãos pelo corpo dela,passei os lábios.E a penetrei sem pressa.Cuidando para que seu prazer fosse antes do meu.Mais uma vez.Até que poucas gotas molhassem sua fronte e refletissem o brilho da Lua no céu.Um reflexo de um reflexo. E choramos juntos por reconhecer nossa pequenez diante do que sonháramos.Um sonho de chuva e luz,de ventos fortes e brisas do mar.Nos sentamos de novo no banco suspenso pelas correntes, ajeitando nossas túnicas imateriais e voltamos a conversar sobre nossos sonhos exaustos,mil vezes sonhados. Admirando a transparência turva da água que caia.