A MULHER DE LATA (EC)
 
 
 

 
Ela havia derramado mais lágrimas em toda a sua vida do que o infinito do mar pode computar. Chorara pelos pais que perdera desde cedo; pelos filhos que queria ter e não teve, por todos os sonhos perdidos nas labutas do dia a dia, buscando, incansavelmente, por um objetivo menos pobre e desimportante. Por último, chorara pelo amor que teimava em encontrar em todos os braços que lhe abraçaram, equivocadamente .
 
Esperara, dias e noites, observando, da minúscula janela de seu insignificante esconderijo, a vida lá fora (que a sua, minava a olhos vistos). Escondera-se dentro da escuridão das noites mal dormidas, esperando por algo que jamais chegara. O que ela esperava, afinal? O que se escondia dentro daquela alma inquieta, daquele coração solitário que sonhava paixões impossíveis?
 
Estava cansada de tanta espera. Queria poder abdicar de seu sentimentalismo exacerbado que nunca lhe dera nada em troca. Enxugou as lágrimas que caíam em sua face abatida, gasta pelos sonhos inúteis em que estivera mergulhada e, num átimo de segundo, decidiu pela liberdade. Despiu-se de seus sentimentos sem causa e da mesmice de sua rotina. Trocou suas roupas sem graça pelo melhor e mais sensual figurino. Pintou o rosto como uma prostituta cara e oferecida. Daquele momento em diante seria apenas uma mulher de lata, desprovida de todos os desgostos, das dores profundas e das repreensões de sua consciência. Saiu dali não se sabe para onde nem se voltaria um dia. Queria apenas respirar outros ares.
 
 

(Milla Pereira)


Este texto faz parte do EC.
"A mulher de lata".
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