Via Maré!

Estavam perdidos, foi o que se confirmou ontem, ao completar cinco meses da chegada dos dois naquela ilha. A mulher, no auge dos seus 45 anos, exibia um cabelo louro, do sol, uma saia suja, uma camisa rasgada bem no meio, próximo aos seios. O homem, dois anos mais novo, trazia uma barba enorme – um Papai Noel fora de época -, com ar de aventureiro, segurando uma vara de pescar na mão direita. Tentava pescar o almoço. Ela só reclamava.

A ilha era grande, com vários coqueiros, árvores por todo o lado e algumas piscinas naturais (quem inventou isso?). Realmente era uma beleza, um paraíso. Mas nenhum dos dois queria estar ali – era o que se comentava. Estava mais para uma prisão. O avião que o marido — magnata do café — pilotava, caiu após o motor falhar incontáveis vezes. Uma tragédia no mundo dos ricos e famosos. A revista já divulgou uma entrevista com os filhos do casal — pagou milhões por isso —, uma nota do salão que a mulher freqüentava saiu no jornal comunitário, o padre já rezou a missa de um mês de falecimento dos dois, os filhos (três ao todo, homens) procuraram e encontraram o testamento, já foram divididas — e vendidas — todas as jóias da defunta, os cavalos do pai já estão correndo no clube de apostas, carros, motos, iates, já foram comprados – e outros carros, os do pai, peças de museu, foram vendidos.

Todos inconformados com a morte do casal.

Não tinha isca no anzol.

Jogou mesmo assim.

Nos primeiros momentos sentiu umas puxadas fortes, mas não conseguiu nada.

A mulher já estava cansada de comer coco e manga. Ele podia comer até pedra, se ela perdesse a voz. Resolveu fazer uma vara de pescar, entortou um pedacinho de fio, fez o anzol – tentou iscas de manga, de coco, mas foi tudo um fracasso. Pensou até em cortar a língua da mulher — mas pensou bem; os peixes morreriam envenenados. Agora a isca era o vento. Torceu para que os peixes fossem burros o suficiente.

Parece que não eram.

Depois de três horas de cócoras, resolveu desistir. Mas no ultimo segundo avistou uma coisa, brilhante. Parecia ser uma garrafa de vidro; com um papel dentro. O mapa do tesouro? Correu, pulou no mar, nadou até conseguir pega-lo. Quando pisou na areia, jogou o vidro contra uma pedra — se espatifou em vários pedaços. Pegou o papel e abriu: “Comunicamos que se não nos pagar até o fim do mês, seremos obrigados a tomar todos os produtos que comprou no nosso SPA”. Não havia endereço, nem nada, só apenas a mensagem. O homem ficou mais perdido do que já estava. Nem notou o que acontecia a seguir: um barco pequeno chegava. Um homem desceu. Todo de terno, movimentos ensaiados, passos perfeitos, trazendo uma bandeja.

— Seu cartão está sem limi… – começou, mas foi interrompido.

— Meu cartão? — perguntou, analisando o outro.

— Não, o da senhora ali.

Ela já estava saindo de fininho, mas o garçom foi ao seu encontro.

Não sabia onde enfiar a cara, mas sacou outro cartão do bolso e jogou em cima da bandejinha. O marido ficou no mesmo lugar, vendo aquela cena sem sentido. O garçom tirou um amontoado de cartas do bolso.

— O que é isso? — perguntou o confuso, ainda segurando a conta misteriosa.

— São cont… — começou o garçom.

— São cartas, amor. CARTAS! — gritou ela, puxando o garçom pra mais perto.

Um barulho de passos quebrou o silêncio. Um outro se aproximava, segurando uma bandeja, mediana, com um sorriso no rosto. Na outra mão uma sacola com três cervejas em lata, dava para notar. O pizzaiolo mandou um: “Metade calabresa e metade quatro queijos, certo?”. O marido soltou um riso amarelo e concordou. Pegou a pizza e encarou os outros dois, petrificados.

— Pensei que ficariam com fome, então pedi uma pizza. — disse.

A ilha (quase deserta) na verdade era movimentada. Tinha SPA, pizzaria, shopping, restaurante, bar, danceteria: a mulher foi a primeira a descobrir, um mês depois da queda, e o marido só descobriu dois dias depois dela. Enquanto comiam a pizza, viram chegar centenas de garrafas, via maré, vindas da cidade. Nem imaginavam que agora mesmo um bombardeio de contas caia sobre sua mansão, para o espanto dos três filhos.

Que modernidade!

A única coisa que sei é que: Ninguém é realmente esperto e tudo termina em pizza.

E outra coisa; nem pense em morar em uma ilha deserta, pois as contas chegam do mesmo jeito.

Ediie Krdozo
Enviado por Ediie Krdozo em 29/10/2012
Código do texto: T3957560
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2012. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.