Árvore de Natal, na Páscoa.

Semana Santa. Época da paixão de Cristo. Semana das reuniões familiares; bolos no café da manhã, das tortas de bacalhau, sardinha, feijão de corda, vinho caro – no almoço -, carteado no fim da tarde, um dominó pra passar o tempo, bolos na merenda e o que sobrou do almoço, na janta. Tudo isso e mais um pouco, mas não na minha família. Até tinha, alguns itens, mas foi há anos atrás; Quando vovó ainda sabia a diferença entre a dentadura e a colher de mexer o doce.

A casa ficava animada, nada de silencio. Os homens jogavam baralho, damas e tomavam uma cachacinha – pra esquentar. As mulheres batiam as claras dos ovos, esmagavam as sardinhas, descascavam abóboras, catavam o arroz, escorriam o macarrão. O chiado da panela de pressão se ouvia longe. As crianças brincavam; juntávamos as roupas velhas que havia no baú de vovô, para construir o Judas – o tal traidor, que merece ser espancado, queimado, depenado, enforcado. Não faltava imaginação para a morte do pobre boneco.

Mas tudo isso acabou. Vovô morreu, vovó deu pra confundir coisas e irmãos brigaram. Automaticamente primos não podiam se falar – pra mim foi o lado bom da historia.

Acontece que meu pai, pescador desde adolescente, burlou a lei. Preparou todo o equipamento; tarrafa, vara, minhocas (criadas no nosso quintal), panelas, fósforo, cigarro, cachacinha (pra esquentar!), farinha e tudo o que uma boa pescaria exige. E lá se foi. Na outra esquina, com mais mantimentos, estava meu tio. Tio Zé (pra não citar nomes). Dois burladores da lei.

Não sei o que aconteceu por lá, mas aqui — e lá também — ainda era sábado de aleluia. Um sábado comum, sem o barulho dos parentes pela casa. Lembro de estar assistindo um filme, quase já desistindo e me entregando pro sono. Meu irmão escutava os rock, improvisando um inglês.

Será que não era pecado escutar rock durante a semana santa? Vai saber! Não se podia fazer nada; tomar banho, comer carne, bater no irmão, falar mal da vizinha. Mas a caninha, o corote, pode!

Bem, o fato é que deu meia noite.

Domingo de páscoa.

Ovos de páscoa.

Nada.

No meio da madrugada (a TV ainda ligada) acordo com umas pancadas na porta. Meu pai e o tio Zé. Chegaram cedo. Pescaria ruim, no mínimo. Não, estavam alegres, falantes demais. Diz que tem uma surpresa. Me esperto.

É comum deixar a tarrafa (que eu aproveitava pra brincar) suspensa, para secar. E também pra tirar os restos de lama que grudava. E ela estava lá, secando. E brilhando. E se movimentando. Estava viva!

Não estava acreditando naquilo; centenas de peixes, todos ocupando cada buraco daquela armadilha, outros já no chão, parecidos com as luzinhas pisca-pisca. Achei bonito. E cruel. Os parentes chegaram poucos minutos depois — até o vizinho novo, que andava de cara fechada, apareceu por lá. O domingo estava salvo! E o resto do mês também.

Enquanto alguns comiam ovos de páscoa, exibiam seus brindes (que jogada de mestre das fábricas), eu estava em casa. Estava admirando minha árvore de natal. Uma árvore de natal, na páscoa. Muito melhor que ovo de chocolate. Muito melhor que brinde.

— Alguém tem chocolate? Aceito um pedaço.

Ediie Krdozo
Enviado por Ediie Krdozo em 29/10/2012
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