Um Amor de Bebê
Não tem jeito mesmo. A mudança é inevitável. Mas antes de falar disso, deixe-me dizer que o amor pode ser também inevitável. E não muda. Na essência será sempre o mesmo. Até nas línguas. No caso do inglês, por exemplo – essa língua colonizadora, veículo contemporâneo de muitas desgraças pelo mundo afora a povos mais oprimidos ou menos desenvolvidos –, ele tem quatro letras. Como no português. LOVE lá. AMOR aqui.
Agora vejamos os balões. Que nos encheram de tantas alegrias quando crianças em inesquecíveis festas juninas. E ensejaram lindas canções de que a gente não esquece. Eles subiam aos céus carregados de lanterninhas. Que podiam tomar a forma da Taça Jules Rimet, como em 58; de uma cruz (e havia o balão cruz); da própria palavra amor; de um barco ou navio. Do que quer que fosse.
As lanterninhas podiam vir abaixo dele ou em volta. Um verdadeiro projeto de engenharia. Cálculos de peso, equilíbrio devem ter sido realizados. Artesanato quanto à confecção da bucha. Como do próprio balão. Tudo isso para quê? Para provocar uma emoção, aflorar um sentimento de alegria, o que tem muito a ver com amor. E de duração efêmera. Apesar de podermos chorar muito, o amor sempre nos traz alegria. Por isso a sua duração (da alegria) pode ser pequena. Como o voo do balão. Mas pode também ser infinita, já que no amor a alegria se renova.
De qualquer modo, lá está o balão. E terá apenas algumas horas ou momentos no ar. Até que despareça lá em cima por detrás das nuvens ou se transforme num pontinho de luz e não seja possível mais vê-lo. Coisa parecida com a festa de quinze anos de sua filha ou com o imponente casamento de seu neto na Igreja da Candelária. Em que tanto dinheiro foi gasto para um entretenimento de apenas algumas horas. Destinado a colocar algumas pessoas especiais num mundo de alegria. Ainda que passageira.
Vejo hoje um balão. Escuto de repente algumas explosões no ar. Intermitentes, espaçadas. E que aparentemente não acabam. Corro para o jardim. Noite de lua quase cheia. Céu limpo. E vejo que se seguem às explosões os efeitos maravilhosos de fogos de artifício. Abaixo do ponto de luz de onde se originaram. Isso continuando bem depois de o balão já estar lá em cima. Quase tornando-se num pontinho prestes a desaparecer do alcance de nossas vistas.
Belo trabalho de engenharia. O cálculo do tempo ou das distâncias em que deverão ocorrer as explosões programadas. O cálculo e o dimensionamento da estrutura do balão para suportar o peso dos fogos de artifício. Como terá sido a disposição desses fogos, programados para se detonarem a determinados espaços de tempo? Cada um com cores e efeitos específicos?
Concluo – não sei se apressadamente – que as lanterninhas já eram. Os balões tornaram-se mais sofisticados. Agora dispõem no espaço belíssimos fogos de artifício. Nesse aspecto, com mais segurança, porque são detonados bem longe das pessoas. Tudo de novo para provocar em você uma sensação de alegria, de estupor. Igualmente por alguns momentos. Isso não mudou.
Não vá pensar – talvez apressadamente também – que me preocupo em defender a prática de soltar balões. Até por certo saudosismo. Sei dos graves riscos que neles se encerram quando há a possibilidade de caírem sobre áreas densamente povoadas. E da parafernália de normas que desaconselham essa prática em espaços urbanos. Refiro-me apenas ao projeto de um artefato dessa natureza. Que não tem condições de ser produzido industrialmente. E ao que está por trás da motivação que leva uma pessoa – mais provavelmente um grupo – a um empreendimento desse porte. Para concluir que nada se altera. Apesar da inevitabilidade das mudanças.
Os balões de ontem não poderiam ser iguais aos de hoje. Mas os efeitos provocados nas pessoas de uma forma ou de outra são os mesmos.
Podem até acabar com os balões. Mas não acabaremos tão facilmente com uma festa de aniversário ou com as bodas de um casamento. Hetero ou homo. Como não acabaremos também com a alegria de ver um bebê nuzinho ou de fraldas engatinhando pelo chão da casa. Vamos aproveitar enquanto ele não cresce. O que acontece rapidamente.
Maricá, 28/10/2012