A Partida
Ontem me coloquei a recordar do dia em que você nos deixou e foi morar no céu, enquanto conversava com alguém muito especial.
Sabe que às vezes não nos conscientizamos do quanto pessoas são importantes nas nossas vidas, o quanto a vida é curta. Às vezes a nossa, às vezes dos nossos amados, enfim...
Naquele onze de dezembro de dois mil e quatro. Olha que interessante, eu com minhas manias no mínimo discutíveis, peguei um trem em pleno finalzinho de tarde de um sábado para ler os últimos assuntos do vestibular que prestaria na manhã de domingo.
De repente uma mensagem no celular, vinda do meu irmão, à qual dizia "Paulo, vem logo".
De certa forma aquilo acabou despertando-me que já era hora de voltar. Já havia estudado o suficiente por aquele dia, talvez não tanto para a prova que iria fazer, mas bastava, era hora de voltar pra casa.
Então retornei e ao chegar em casa, na casa dos pais a mesma alegria de todo sábado à noite. Lá você estava, a mãe e o irmão caçula. Você sempre sentado na mesma posição da mesa, de frente para a porta. Era um gesto tão comum que jamais foi repetido após sua partida, afinal tal lugar era único, somente seu e de mais ninguém. Quem teria a honra de se assentar ali, além do patriarca da família.
Aquele seu sorriso, ah, que sorriso mais lindo desse mundo. Às vezes olho para o pequeno Filipe, pequeno porém já com dez anos de idade. Nossa, até ele sente sua falta, acredita?
Vocês pediram pizzas para comemorar o aniversário do caçula. A gente conversou, deu altas risadas, principalmente com o fato desse filho aqui que está a escrever inventar de estudar dentro de um trem. Imagina que insanidade?
Depois de comer aquele angu que só a mãe sabe fazer, fui pra minha casa e vocês ficaram. Dia seguinte precisava ir bem cedo prestar o vestibular.
Domingo de manhã lá estava eu novamente. Vocês arrumando pra ir ao interior e eu pra Capital fazer minha prova, lutando por uma vaga no curso de Informática.
Então me despedi e saí. Ao andar alguns metros senti como que alguém me chamando. Retornei e pedi a você que me desse uma carona até a estação de trens. Era estranho, pois não tinha planejado nada. Aquilo parecia ser um sinal de Deus, sim, era um sinal Dele, para que eu pudesse ter com você ainda alguns minutos antes da partida, uma despedida sem saber.
Fomos e no caminho de no máximo cinco minutos conversamos um pouquinho. Você me disse que não tinha se sentido bem naquela manhã mas eu jamais imaginei que era um claro sinal de sua partida.
Nos despedimos na frente da estação, você me desejou boa sorte, não me lembro se te pedi a bênção, mas acho que pedi sim e vi seu carro indo embora. Foi a última vez que o vi com vida.
Naquela noite, após a notícia segui apressadamente para o interior, mas não tive coragem de te ver sem vida naquele hospital. Só no dia seguinte.
Então entrei naquele velório e te vi, deitado naquela urna de madeira. Me aproximei, beijando-lhe a testa. Ao sentir o frio da morte me dei conta que você realmente tinha partido.
Chorei tudo o que alguém pode chorar. Nunca saí de perto de você, apenas por instantes, até a hora que te colocaram para descansar. Estive com você até o fim.
Pai, já se passaram quase oito anos, mas parece que não fazem oito dias. Eu me lembro de você, e dos vinte e quatro, quase vinte e cinco anos que passamos juntos.
Como você era carinhoso, doce, a pessoa mais apaixonante desse mundo. O cara que eu mais confiava, que me ensinou a ser homem, a ter caráter, honestidade. Nunca precisou de me por de castigo ou dar palmadas. Você é homem mais exemplar que já conheci.
Quisera eu ter o caráter teu. Acho que um pouco eu tenho, pelo menos é em quem mais me espelho. Você faz uma falta tremenda. São tantas lembranças, dos domingos com você, das noites que você chegava tarde, depois de um cansativo dia de trabalho.
E aquele sorriso? O mais lindo de todos que eu já vi. Nunca vou me esquecer das suas mãos, naquele caixão triste. Eu as olhava e pensava no quanto aquelas mãos já tinham trabalhado para nos sustentar. Nunca te vi reclamar.
É pai, eu preciso mudar tanto, melhorar em tantas coisas. Preciso cuidar melhor da mãe, dos meus filhos. Será que algum dia serei um pai como você foi?