Ladeira – É um Perigo.
Ela subiu a ladeira — na verdade estava começando agora —, cheia de jóias, faceira, jogando o cabelo. O perfume? Nem se fala. Vinha do trabalho; uma prendada cozinheira no bar mais famoso de Teresina. As moedas, troco da passagem do ônibus, faziam um barulhinho desafiador, ritmado com o “toc toc” do tamanco. A saia apertada, comprometendo o deslocar das coxas — que coxas! —, com o celular quase pulando para fora do bolso traseiro. Aliás, os seios também pareciam querer saltar, mas infelizmente era só uma ameaça. Pois bem, ela subia a ladeira. Mas eis que o inesperado acontece; na outra esquina vem um rapaz. Bem na sua traseira, com todo respeito. Ela notou. Apressou o passo, puxou o celular do bolso, colocando na sacola de supermercado, apertou a bolsa no braço, e começou a sinfonia de madeira no chão. Um toc toc desesperador — e ensurdecedor.
Ele usava umas roupas folgadas, caminhava torto, mascando um chiclete sem gosto, improvisava um rap, mas não era do pedaço. Foi visitar um amigo da escola — mas ficou sabendo que o bairro era barra pesada, por isso caprichou na fantasia —, e levava um caderno na mão. Passaram a tarde fazendo um trabalho de historia, começaram, — Povos Mesopotâmicos —, prepararam macarronada, tomaram suco de limão, comentaram sobre os alunos, falaram mal dos professores, mas não terminaram de copiar na cartolina. Ficou pra amanhã. Ele queria chegar em casa e tirar aquela roupa, que o vento soprava e colava no corpo; principalmente o calção, grudava e contornava suas pernas magras. Mas eis que viu a morena, passando direto, subindo a ladeira. Dobrava na mesma rua que ela, sortudo.
Nem dobrou a esquina, a morena aumentou o passo, quase correndo. Olhou pra trás, mas não viu o motivo de tanta pressa.
A ladeira não tinha ruas próximas; era longa, uma tortura pra quem está com medo e de tamanco. E estava deserta, tirando o magrelo, o que desconfio que seja por causa do domingo. Domingo é dia de banho de piscina, ou de mangueira. Mas voltemos ao assunto…
A morena parecia uma gruta, pingando suor, com a água salgada levando todo o seu pó compacto. De “quando em quando” — sempre quis colocar isso — olhava para trás, tentando visualizar o seu possível atacante, que ainda tentava improvisar o tal rap — e ainda sonhando com a traseira. Ela ouve o barulho de buzina, estava perto do fim. Tinha que chegar ao topo, pedir socorro. Ele estava relax, já se sentia em casa. Mas ainda tentava adivinhar o porque da pressa da outra — e nem como os curiosos ainda não saíram para ouvir o motivo daquela madeira batendo no asfalto. Mas eis que algo acontece — uma voz: “— Ê maluco!”. O garoto passou de branco para super branco, num piscar de olhos. As pernas bambearam, veio aquela fraqueza — É agora!, pensou. Mas rapidamente teve uma idéia; alcançar a moça e fingir amizade. E foi o que fez… Deu uma discreta carreirinha. O que não foi uma boa idéia.
Ela tirou os tamancos, pegou rapidamente — foi de deixar o flash com inveja —, e correu, na hora que viu o outro correr na sua direção. Ele ainda pensou em continuar, mas o “— Para ai, maluco!” que veio às suas costas foi assustador. Teve que parar. Olhou para trás e viu: um bombado, sem camisa, com uma cara não muito alegre. Veio o caminho todo, o bombado, olhando nos olhos do outro, com uma mão nas costas, enquanto a outra balançava despreocupadamente. O magrelo estava paralisado, já sentindo as dores das pancadas.
— Pega… — começou o gladiador, tirando a mão de trás das costas, que a propósito era a direita. — Tu deixô esses papel cair no chão… — exibindo um monte de papel amassado. O outro não sabia se pegava o monte ou se terminava a oração. Terminou pegando os “papel”, e agradecendo por não ter sido amassado, como as anotações do trabalho. Fim. Acordou em casa, na cama, com olhos assustados ao seu redor.
E só mais uma coisa; nunca mais quero passar naquela ladeira — não em dia de domingo.