O Rato Que Subiu na Vida, Está Falido.

No fim da tarde, quando o sol está quase se pondo, e meu quarto fica um pouco escuro, saio e continuo minhas leituras no quintal — que fica numa claridade meio alaranjada. E foi num desses episódios que vi um espetáculo curioso, belo e um pouco confuso. Na verdade minha atenção foi tirada pelo o barulhinho do bater de asas. Vem surgindo em uma fila indiana, numa organização impecável, circulando a área por um bom tempo, para depois se espalhar — um longo fio se dissipando em vários pontos negros. E depois desse processo, vem o caos; pouco espaço para muito morcego. E ainda rola uma batalha. É nessa hora que eles fazem um som agudo, metálico, tanto para os outros de sua espécie, quanto para os poucos pássaros, que, confusos, ainda procuram suas árvores de dormir. Parece mais um pega-pega aéreo. Depois disso; a paz — para eles, morcegos; e o som agudo continua durante toda a madrugada — diz-se que é para paralisar borboletas.

Passei a repetir o mesmo processo — mesmo que não estivesse lendo livro algum. Puro prazer. Sentado na cadeira de espaguete, olhando pro céu, pescoço ameaçando torcicolo, me dei conta de uma coisa; — de onde sai aquele fio negro? Eles tinham que morar em algum lugar, de preferência escuro, claro. E foi aí que no dia seguinte descobri — mas cheguei atrasado —, e nem precisei ir pro meu ponto de observação. Sentado na cama, olhando pela janela, por puro ócio, vi o fio sendo puxado; saia de uma das torres do Albertão — esse enorme elefante na sala de estar, que nem se quisesse poderia ir embora —. E era mais lindo ainda — e demorado. Rapidamente olhei pro relógio; dez para as seis. Depois desse dia esse horário nunca mais foi o mesmo.

Dia desses vi duas moças olhando pra lá; não sou louco sozinho.

Outro dia, numa tarde de domingo, encontrei um desses pássaros noturnos — morto. Não era recente, estava seco, e algumas formigas saiam de sua boca. Mas confesso que a principio pensei ser um rato. São bem parecidos, não? Estava acostumado a ver morcego voando; não parado, amassado, mumificado, no meio do asfalto quente do meio dia. Foi nessa confusão que cheguei a uma conclusão; morcegos são ratos que subiram na vida. Mas esse, coitado, estava morto — talvez por uma ratoeira aérea? — e falido.

Naquele mesmo dia corri pra janela — cinco minutos mais cedo — vi o fio sair, e voar por um bom tempo, e depois se transformar nos pontinhos pretos. Corri para minha cadeira; como era gostoso o barulhinho do bater de asas. Você já parou para ouvi-lo? O som é parecido com aquele que sai quando se estoura os gominhos do plástico bolha. Se bem que às vezes é como se houvesse uma briga de espadas no céu — talvez sejam as temíveis ratoeiras aéreas? Quem sabe… Pobres-ratos-voadores.

Ediie Krdozo
Enviado por Ediie Krdozo em 28/10/2012
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