A opsidata

Lá nos meus tempos de ginásio, quando ainda respondíamos a questionários, meu jovem professor de história, o Juarez Venâncio, pontificava: história é a ciência que estuda o passado para melhor compreendermos o presente. E o mestre exemplificava e fazia belas relações. Envolvido que estou com questões de leitura, chama-me a atenção a fala de Maryanne Wolf, em Como aprendemos a ler. Segundo a escritora, "se a tradição cultural e os sentimentos das outras pessoas nunca foram experimentados, compreender os sentimentos dos que nos rodeiam é mais difícil”. E associar o hoje velho mestre à especialista em leitura foi inevitável: estudar o passado para entendermos a contemporaneidade; viver vidas, para entender vidas... E vejo essa proveitosa relação entre história e literatura, de que poderemos nos valer para a motivação de ambos os estudos...

Inevitável, também, até porque era o livro da vez em minha cabeceira, a associação com Uma real leitora, de Allan Bennet. Para quem não leu, vai aqui um pequeno resumo. Certo dia, por circunstâncias fortuitas, a quase octogenária rainha Elizabeth II se vê diante de livros, em um furgão da biblioteca itinerante que visitava o palácio. Lá estava Norman Seakins, leitor voraz, que trabalhava na cozinha do palácio, e se tornaria consultor literário da rainha... A rainha, por delicadeza, levou um livro emprestado e daí para frente nunca mais parou de ler... Em um texto pequeno e leve, o autor vai mostrando as transformações pessoais da rainha e as reações de seu assessor e de seu primeiro-ministro, que, à revelia de sua alteza real, afastam o fiel Norman... Mas a rainha continua... lendo, lendo, lendo sempre; chega a convidar escritores ao palácio (preferiu suas obras!), e o livro termina com Elizabeth, muito feliz, ensaiando escrever um livro, mesmo que a literatura lhe custasse o trono.

A rainha, através dos livros, passa a experimentar sentimentos que antes não vivenciara e passa a ter uma compreensão melhor do mundo e das pessoas. A certa altura, retrucando seu assessor Sir Kevin ela diz: "Livros não são passatempo. São sobre outras vidas. Outros mundos”. Mais adiante, colho: “Ela deixava a família mais à vontade, raramente ralhava com eles e as coisas todas ficaram mais relaxadas. Viva os livros!” Mas a rainha avó solicitava leitura aos netos e depois vinham cobranças... Metaforicamente, diz a simpática personagem: “Livros são uma maravilha, não é? Correndo o risco de parecer um pedaço de carne (...) , livros amaciam a gente.” Com Woolf, diria a rainha: livros nos amaciam porque passamos a conhecer sentimentos que antes não experimentávamos.

Chama ainda a atenção na obra de Bennet a escolha da protagonista: uma pessoa idosa e rainha! Com todo o aparato do poder e já tendo vivido os áureos tempos, talvez fosse pouco crível que alguém dessa estirpe se transformasse, mudasse hábitos, ficasse melhor, mais amena, mais culta, mais sábia e passasse a desprezar o que era simplesmente protocolar... Mas, com consistência, a narrativa procura demonstrar a ação transformadora da leitura. Um belo livro! Ah! Esqueci-me de dizer que opsidata é a pessoa que aprende somente tarde na vida.