Meu irmão atleticano
Meu irmão atleticano
Eu nunca tive comigo essa paixão que a maioria dos brasileiros tem pelo futebol. Não gosto dessa rivalidade besta que vivencio entre torcidas rivais, que abandonam a racionalidade e se transformam em animais nas portas de estádios, na euforia de final de jogo ou campeonato. Não vejo justificativa para um ser humano dar mais valor à idolatria de um time do que à vida de um ser humano, à sua liberdade, pois quando parte para a violência, no mínimo pode estar se arriscando a ir em cana. Mas não é sobre isso que eu quero falar. O futebol tem lá seus pontos positivos e negativos, depende do lado que você está.
Meu irmão é um louco alucinado pelo Atlético Mineiro. Sempre foi, desde menino. Passou parte de sua infância brincando com futebol de botões ou de palitinhos, que ele coloria com as cores das camisas dos times brasileiros. E o Atlético sempre foi o seu time de devoção, assim como era do meu pai. Em dias de clássico, muitas vezes se engalfinhava com minhas irmãs cruzeirenses, danadinhas de implicantes naqueles tempos de adolescência. Pena que naquele tempo a gente não tinha filmadora em casa. Eles cresceram, amadureceram, cada um seguiu o seu caminho, mas a paixão pelo tal de Atlético no meu irmão e pelo Cruzeiro na ala feminina só fez aumentar, para continuarem com a implicância de torcida contrária, se espetando de vez em quando.
Eu não gosto de assistir aos jogos do Atlético com ele por perto. O danado fica vermelho, vidra o olho na tela da televisão, aperta a testa com os dedos na região entre os olhos e não levanta do sofá para nada. Seus dentes estralam, tamanha é a força que ele aperta um maxilar sobre o outro enquanto a bola rola no gramado. E quando ela entra pelas traves do outro time, acredito que o grito seja ouvido à longa distância, enquanto o vermelho de seu rosto se transforma em roxo, fazendo-me lembrar de que o danado pode estar a um passo de passar mal. E o mesmo acontece quando a bola passa pelo goleiro atleticano e acerta o gol. A vermelhidão é a mesma, só muda o timbre do grito, que vira um gemido, tão fundo e tão triste, que me causa muito dó, dó mesmo, de me fazer evitar ver de novo essas cenas.
E foi num desses jogos de vida ou morte na concepção desses loucos torcedores que o meu irmão quase que passa mal de verdade. Foi no jogo contra o Fluminense, onde segundo consta, foi realmente um jogo emocionante, até para quem não era atleticano. Agora imaginem para o meu irmão... O danado ficou vermelho, roxo, azul e até verde, durante os noventa minutos. O coração deve ter usado o combustível de reserva, pode ter rateado um pouco, mas o danado continuou lá, com aqueles olhos vidrados, esticadinho diante da TV. Não sei dos gritos ou suspiros que deu, o que eu sei é que a esposa, percebendo que ele não estava bem, deu remédio, fez massagem, cuidou dele com todo carinho, sempre preocupada com a pressão arterial e as consequências do desgaste emocional do marido. Ficou tão fatigado que foi deitar mais cedo, resgatar a adrenalina que havia se desprendido durante o jogo. Altas horas da madrugada, a esposa que é uma mulher muito especial, preocupada com ele, acorda e estranha o seu semblante abatido enquanto dormia. Chama por ele uma, duas, três vezes e o danado não responde. Ela então dispara a gritar e a pedir por socorro, já imaginando o pior. Só então ele dá o ar da graça e pergunta o havia acontecido. Ela, desesperada, questiona o motivo dele não ter lhe respondido. É que ao ser chamado pela mulher, que achara que ele não estava bem, cismou que estava morto, já que não estava sentindo coisíssima nenhuma. Ficou em silêncio achando que já estava do outro lado da vida. Só respondeu, quando ela disparou a gritar. Aliviada, ela agradeceu a Deus, pois achava que o marido havia morrido. E ele, mais aliviado ainda, confessou que tinha pensado o mesmo. É loucura ou não, essa paixão toda pelo futebol? Vai que uma hora dessas o jogo acaba no meio, não resta força para ir até o final do campeonato... Será que lá no céu tem futebol?