O monologuista não fala sozinho
         
          Estou a me lembrar de que meu pai gostava de pensar alto. Vez ou outra, pegava-o de surpresa falando sozinho, e ele, de repente, repreendia-me: “Quem chamou você? Deixe de ser curioso!”  Parecia ensaiar segredos, preparar com esmero premissas e argumento sobre um assunto muito sério; como o monólogo de  uma peça teatral, teatralizava para si mesmo, sorrindo, zangando-se e usando áspera e grave voz; enfim, falava duro e forte quando precisava.  Minha mãe, que assistia mais a tal esquisitice, ria do marido e, brincando, diagnosticava: “Falar com as almas é coisa de gente sem juízo”.
 
          Seria monólogo falar sozinho, conversar longamente consigo mesmo, diante de ninguém, sem algum público e fora do teatro? A peça teatral, de Pedro Bloch, “As Mãos de Eurídice”, depois da sua primeira exibição em 13 de maio de 1950, ficou famosa, foi por muito tempo apresentada e, inúmeras vezes, reapresentada em teatros lotados. Muitos anos depois, quando obtive condições para  vê-la, o comentário mais corrente era de que se tratava de um monólogo, e mesmo aqueles menos instruídos sobre a crítica das artes cênicas enchiam a boca: “É um monólogo!” Essa primeira peça brasileira em forma de monólogo correu pelos teatros do Brasil inteiro e ganhou fama fora do país; admirada, correu mundo em mais de oitocentas mil apresentações internacionais. Ensejo-lhes o lamento que peças como essa, “O grande teatro do mundo”, de Calderón de La Barca, ou “Vau da Sarapalha”, de Luiz C Vasconcelos, deixem de ser exibidas.
 
          Ora, ao se ouvir a cultura popular, monólogo sempre foi, ao contrário do desejado, falta de diálogo, “conversa comprida” de quem não deixa outrem falar. Nem conversa é, já que conversar é antes de tudo conversar com alguém, dando ao outro oportunidade de resposta.  Bem se sabe quanto são criticados os “amigos” que só deixam a gente falar quando respiram para poder continuar falando.  Viu-se na televisão o tanto que os candidatos prometeram: “Se for eleito, vou dialogar com o povo”...  Sobre interessante trama, Bloch conseguiu que todos os atos constituíssem um monólogo, sem seu enredo se tornar monótono ou tedioso. Mas por que tanto sucesso de um monólogo? Dá a entender que, como o “monólogo de Hamlet” em que Shakespeare nos impõe o dilema “ser ou não ser”, o bom conteúdo melhora significativamente a forma de dizê-lo. Mas, “Eis a questão”: o monologuista fala sozinho?