Graciliano Ramos
e sua paixão
Como você me pede para escrever
sempre, pelo menos uma linha, aqui
lhe mando a linha.
Graciliano Ramos
Apenas para deixar registrado o aniversário natalício do escritor que sempre esteve entre aqueles que, vez em quando, visito: Graciliano Ramos. Divirto-me e aprendo muito lendo seus livros. É um dos meus autores prediletos, ao lado, por exemplo, de Josué Montello, Rachel de Queiroz, Rubem Braga e Humberto de Campos. Meu mais recente retorno a ele deu-se, não faz muito tempo, quando reli Infância, sua autobiografia, publicado em 1945.
Relembrando. Graciliano nasceu em Quebrangulo, pequenina cidade do sertão de Alagoas, no dia 27 de outubro de 1892. Há, portanto, 120 anos. Seu aniversário, amanhã, está sendo comemorado em todo o Brasil, com o merecido destaque. Páginas e mais páginas veem recontando sua história e fazendo referências elogiosas à sua gloriosa trajetória literária.
Diante da exuberância e magnitude desse escritor, me sinto incapaz de apreciar, em termos críticos, o que ele deixou dito em Infância, Insônia, Vidas secas, São Bernardo, Angústia, Linhas tortas, Caetés, Memórias do cárcere, Histórias de Alexandre e Viventes das alagoas. Escreveu até l953, quando morreu, no dia 20 de março, uma sexta-feira.
Deixei de citar, entre os livros que apontei, aquele que guarda sua correspondência íntima enviada a parentes, amigos e em especial a Heloísa de Medeiros, que foi a sua grande paixão. Para Ló - assim, também, ele a chamava -, Graciliano escreveu inúmeras e apaixonadas missivas, e de onde ele estivesse. De Palmeira dos índios, de Maceió, do Rio de Janeiro e da prisão.
Essa correspondência está no livro Cartas, publicado em 1980, portanto, após sua morte, com a participação dedicada e decisiva da sua viúva, Heloísa M Ramos, morta no dia 28 de julho de 1999, aos 89 anos de idade. Elas, as cartas, revelam "a figura humana insuspeita" do autor de Linhas tortas. Daí a sua importância, tornando-se, por conseguinte, indispensável sua leitura.
Li a maioria dessas cartas. Todas são de uma doçura sem limite e de um eloquente romantismo q desmentindo a ideia que se propala, segundo a qual, o Velho Graça fora um sujeito ranheta, abusado, recolhido em si mesmo. Foi mais ou menos isso o que colhi, lendo aqueles que lhe traçaram o perfil.
Não sei ainda o que traz o livro Garranchos, novo livro do Graciliano, que acaba de chegar às livrarias. Não o adquiri por falta de tempo e saúde. Com certeza, nesses garranchos, constará algo mais de muito interessante sobre o escritor e o homem Graciliano Ramos.
No propósito de homenagear o fantástico escritor das alagoas, fui ao livro Cartas e nele pincei frases doces ditas à sua amada Heoísa pelo apaixonado Graciliano. Apenas algumas frases, deixando claro que elas são inúmeras.
Palmeira dos índios, janeiro de 1928 - "Heloísa: Chegaram-me as duas linhas e meia que me escreveste. Pareceram-me feitas por uma senhora muito séria, muito séria! muito antiga, muito devota, dessas que deitam água-benta na tinta."
Palmeira, janeiro de 1928 - "Minha querida noiva: Duas cartas e um retrato no mesmo dia deram-me, naturalmente, a tentação de abraçar a empregada do correio. Não havia perigo: é uma senhora respeitável".
Palmeira, janeiro de 1928 - " Meu amor: Que te custa garatujar meia dúzia de períodos a lápis e metê-los num envelope? Achas razoável que eu passe horas da noite relendo as três folhas que me mandate e que sei de cor? É necessário que me mandes outras. Que avareza!"
Maceió, outubro de 1930 - "Ló: Essa história de aperto de mão não presta. Mas enfim, como estamos separados, vá lá."
Maceió, outubro de 1930 - Quando escrevia Caetés. "Por isso, arranjei uma datilógrafa . Enquanto lhe escrevo, ela está aqui batendo na máquina: teco, teco, teco. Não se assuste: é uma senhora respeitável, em tipo e idade. Além disso são apenas cinco horas da tarde."
Mais duas, para terminar. Alongar-me, será enfadonho. Propondo casamento a Heloísa. "Conheces algum padre que me possa casar sem confissão? Não estou disposto a ajoelhar-me aos pés de ninguém. Mentira: estou disposto a ajoelhar-me aos teus pés, a adorar-te."
Palmeira, sábado, 4 de fevereiro de 1928 - "Minha adorada: Dizes que brevemente será a metade de minha alma. A metade? Brevemente? Não: já agora és, não a metade, mas toda. Dou-te a alma inteira, deixa-me apenas uma pequena parte para que eu possa existir por algum tempo e adorar-te."
Sem sair um centímetro dos meus limites, é a homenagem que presto ao ilustre aniversariante: Graciliano Ramos.