Cores

Num dia como esse, tão gelado quanto a cerveja que bebo, tão cinza quanto meu coração, não consigo deixar de pensar.

Tento precisar o momento em que parei de enxergar cores, mas não consigo encontrá-lo. Sei apenas que antes olhava para o céu e o via azul, um azul límpido, cor de piscina de clube de gente rica; mesmo num dia nublado o imaginava assim. Quando fitava os cabelos duma mulher sorria do castanho, cor de pena de sabiá; do loiro como o sol da manhã; do ruivo que lembrava cobre; achava-os todos maravilhosos, hoje são todas grisalhas. O sol era ora dourado, ora rubro, agora é um disco de grafite num céu sem cor, a lua era prata derretida no escuro, hoje mescla-se a ele.

Os olhos da minha mãe eram dum marrom que lembrava casca de araucária, os dentes do meu irmão alvos como algodão ainda dentro do pote, um amigo tinha a pele escura como pneu recém-lavado, outro era cor de barro, parecia feito de argila. Minha avó tinha lábios dum rosa claro, que lembrava pétala de beijinho desbotada, meu avô unhas, bem cuidadas, tinham o rosado de recém-nascido saído do banho.

Era uma miríade de cores tão incrível, adorável, saía de casa apenas para ver o verde das folhas No verão, seu bronze no outono, ou lamentar sua ausência no inverno, hoje parecem não existir. E com a brisa da vida, muito seguiu tal folhagem; a cor dos sorrisos, flertes, carinhos, amores, alegrias, toques, prazeres; tristeza, mágoa, desilusão, sofrimento, deixando-me apenas com esse cinza que descreve meus sentimentos.

Ergo os olhos par ao céu e vejo nele o mesmo pigmento que colore meu peito.

Pietro Tyszka
Enviado por Pietro Tyszka em 26/10/2012
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