FAZENDO "TRANSAÇÕES" NO AMBIENTE ESCOLAR
Não há nada mais decepcionante do que está concentrado em uma aula de interpretação de texto, e bate à porta um para interromper: é um vendedor de livro; ora um vendedor de carteirinha estudantil; ora representantes de cursos de informática; ora o presidente do bairro e/ou da igreja, fazendo convites vários; vendedor de camiseta; depois a turma do grêmio estudantil com uma nova ideia; bem como os estagiários da saúde para distribuir camisinhas; anúncios da coordenação; os alunos da sala vizinha para tomar algo emprestado; por último, vem a tia do lanche. Aqui não dou conta de enumerar quantas futilidades oficiais nos pretendem encher o tempo de aula. Isso sem falar de um ou outro engraçadinho na própria sala que articula a inviabilização da boa aula com piadas sem graça. Eu sei muito bem o que é trabalhar até tarde da noite, preparando uma boa aula e sentir meus esforços desconsiderados. É como o recipiente em que você está levando morangos maduros para casa, rasga-se precisamente no momento em que você sai do carro, fazendo uma sujeira horrível. A sala de aula é um recipiente desejável, público cativo, porém frágil.
Desde há muito tempo, a escola pública brasileira tem se escondido da qualidade. Escondido porque está com medo da sociedade. Não precisa esconder-se! Seus temores têm sido baseados em falsos relatórios dos enganadores: estatistiqueiros. Enfrentar a comunidade para mostrar o caráter da boa educação é um indicador de qualidade. Não podemos deixar nem um só momento sequer de aula esvaindo-se como gás para o espaço. Não tenho visto nenhuma expressão de amor verdadeiro à causa, nessas interrupções. Contêm elas o conteúdo que o sistema planejou para ser dado em sala livremente? A escola quer encher nossa vida apenas com sua amizade?
Cabe a nós professores a não entregar a esses interruptores a sala, esta, recipiente fácil. Porque eles entram e saem e o público fica vazio, tão horrivelmente vazio! Nós, tão somente, admitimos que necessitassem do nosso conteúdo curricular, roguemos à unidade escolar, para que possamos dá-lo sem a interrupção dos que não têm propósito educacional, mas visam somente aos seus bolsos!
Qual é a nossa resposta? Se a resposta da escola for uma de conivência, ela é forçada a ajudar-nos a lidar com essa realidade. Com muito cuidado ela terá que nos explicar o porquê de tanta incoerência como: não deixar entrar alunos com as roupas que eles têm, “escandalosas” e permitir a distribuição de camisinha para os menores do Ensino Médio. A princípio imaginamos que os tempos modernos estão nos apanhando como se apanha moscas em mel. Mas, enquanto estamos tremendos em nossa nudez diante da comunidade, ela cobre-nos com seu próprio manto, suas propagandas bem elaboradas e amigáveis, continuam nos oferecendo enganação: “isso te tornará mais confortável”.
E isto resolve: que nos ofereçam palestras substanciosas que encham as salas de aula com algum conteúdo interdisciplinar que adicione. Até agora, reconheçemos prontamente que, perturbam-nos com coisas que não justificam a interrupção, entram e saem, deixando apenas um boqueirão vazio, ou melhor, cheio de indignação.