O QUE DIREI EU?
Acabo de receber , via Internet, uma crônica do conhecido ator Benvindo Sequeira, com o título "Vida após vida nessa vida", na qual o autor faz uma análise do que vivenciou ao longo da sua existência.
Desconhecia essa faceta do artista versátil, que sempre admirei, justamente por transitar, com brilhantismo, pelas diversas e complexas modalidades do seu ramo de atuação; humorista num momento, trágico ou dramático noutro.
Li, com o maior interesse, sua declaração e identifiquei-me, em sua quase totalidade, com o seu pensamento.
Fala ele das diversas fases da nossa vida, dividindo-a em décadas, dizendo, por exemplo:
"Aos quarenta percebi a possibilidade real da morte."
"Aos cinquenta percebi que meu ângulo peniano caminhava para os 90º, salvou-me o Viagra."
"Aos sessenta espantei-me por estar ainda vivo."
"Após os sessenta relembrei o salmo 91-7 que diz: "1000 cairão ao seu lado e 10000 à sua direita, mas você não será atingido."
O Benvindo tocou o nervo ciático da alma dos idosos e disse, com clareza invejável, o que sente a turma da terceira idade, pelo menos pra mim. Só que não penso em morte; acho que nunca pensei!
O que me causa maior espanto é que todo mundo para nos sessenta anos, no máximo chegam aos setenta e eu, com 82 anos, fico fora de órbita e o nosso querido poeta Ayres Koerig muito mais, pois já carrega, sobre as costas, 92 primaveras.
Ouso pensar que ele, como eu, damos graças a Deus por podermos presenciar e deleitarmo-nos com as coisas mais simples. Pensamos, sim, na ventura de admirar cada raiar ou pôr de sol, de poder olhar o mar e as aves que o sobrevoam, as cores e os pássaros e flores que se vestem com todas elas, o abraço da família, dos filhos, dos netos, da mulher; da lucidez que ainda temos, do poder andar sem necessitar de auxílio, de nos alimentarmos sem restrições, de podermos tomar nossas cervejinhas em paz, de amar fisicamente de vez em quando, de amar espiritualmente, sempre.
Mesmo sabendo que a morte física seja a maior certeza da nossa vida, deixo-a fora do meu horizonte; há muita coisa a fazer, muita coisa a aprender, muita alegria a transmitir, muito amor a dividir, muita experiência a compartilhar... a morte que espere sentada, pois de pé vai cansar, mesmo que, pelo seu calendário, o dia seja amanhã, por paradoxal que possa parecer.
Diz o Benvindo que "continuo andando embaixo da marquise para que S.Pedro não me veja". Pois eu vou continuar tendo como teto o céu, pelo fato de ter plena convicção de que a vereda de cada um já estava traçada no exato momento de sua natalidade e que Deus, com sua infinita sabedoria nos colocou aqui, cada um com um objetivo e, queiramos ou não, ele será cumprido.
(não deixe de ler a colega Marina Alves)