O outro lado de Avenida Brasil

    Ainda hoje li aqui no Recanto o texto de uma colega em que ela faz a pergunta: “O que ficou de positivo da novela Avenida Brasil?” Ela mesma responde: “Nada”. Respeito a opinião da autora e de todos os outros colegas que concordaram com ela, mas tenho outra opinião e peço permissão para poder me justificar.
    Quando assisto a uma novela, não me detenho apenas na história em si e no trabalho dos atores. Em primeiro lugar, há o lado do autor que só pelo fato de escrever a obra e conseguir fazer com que ela chegue a milhões de pessoas já é um feito. Quem escreve, seja novela, livro ou quaisquer textos, quer ser visto, lido, comentado, reconhecido. Depois, há o trabalho de toda uma equipe que vai desde o diretor até o simples faxineiro dos estúdios. Entre a direção e a faxina existe um time enorme de câmeras, figurinistas, costureiras, cabeleireiros, maquiadores, marceneiros, pintores, designers, continuistas, produtores musicais, técnicos de som e de luz, de pesquisadores, de cenógrafos, enfim, são tantos profissionais envolvidos, sem os quais o espetáculo não aconteceria. Isso significa que uma obra de arte como uma novela (assim como também o teatro e o cinema) tem um papel socioeconômico extremamente importante, pois é geradora de empregos.
    Uma novela, geralmente, fica de seis a sete meses no ar, porém, ela começa a acontecer bem antes. Muitas vezes um autor e seus colaboradores precisam de mais de um ano para pesquisar sobre o tema e os sub-temas, para materializar ambientes, cenários, locações. Há questões legais que precisam ser vistas, autorizações, parcerias, patrocinadores, etc. Os atores fazem laboratórios para dar credibilidade aos personagens, estudam, ensaiam, gravam, regravam. O que chega até nós, os telespectadores, é o produto final de um trabalho longo, árduo, complexo, que demanda muitos recursos humanos, principalmente intelectuais, e financeiros. Não dá para sentar no sofá em frente à TV e dizer simplesmente: “Esse trabalho é uma porcaria!”
    É verdade que existem as questões culturais e éticas, em que valores morais, às vezes, são deturpados, e que o “mau-exemplo” muitas vezes é dado por alguns personagens. Mas há também o alerta para situações da vida real que, se for feita uma boa leitura, pode ajudar em muito a sociedade. Já foram exibidas novelas que ajudaram a encontrar doadores de órgãos, que ajudaram a encontrar crianças desaparecidas, que já falaram do preconceito contra o deficiente físico, que já alertaram para o risco da emigração ilegal, que já abordaram sobre doenças mentais e muitos outros temas de importância social. Aliás, os personagens Carminha, Max, Nilo, e o próprio Santiago, poderiam ser melhor avaliados, pois apresentavam comportamentos que à luz da Psicologia e da Psiquiatria eram mais que indivíduos sem caráter. Em maior ou menor grau todos eram Psicopatas. 
    Tanto as novelas quanto as minisséries são produções televisivas que representam mais que um simples entretenimento. Elas podem trazer esclarecimentos e orientações para muitas questões do nosso cotidiano. Também podem reproduzir fatos históricos que foram importantes na construção da sociedade que temos hoje. Como há o outro lado de tudo, é evidente, que podem ser uma influência negativa para as pessoas menos esclarecidas e, principalmente, para as crianças. Mas aí já é responsabilidade dos pais que não deveriam permitir que seus filhos assistissem ao que não é recomendável para a idade deles.
    O que eu, particularmente, vi de positivo em Avenida Brasil, é que foi uma obra que causou polêmica. Isso é positivo, na medida em que ainda provoca discussões e reflexões. Como alguém já disse “Toda unanimidade é burra.” Assim, se a novela conseguiu produzir as mais diversas opiniões, então o resultado foi positivo, sim. Há pessoas que amaram a novela e há as que a odiaram.  
   Independente disso, pudemos ver uma realidade que nenhuma novela anterior foi capaz de mostrar: as condições sub-humanas em que vivem as pessoas que trabalham nos lixões nos arredores das grandes cidades , inclusive crianças, tendo a infância roubada no trabalho insalubre, fatigante, onde o que conseguiam ganhar com a coleta tinham que entregar aos adultos aos quais eram subordinadas. Isso a meu ver foi uma denúncia e uma puxada de orelhas nas autoridades públicas que nada fazem para mudar essa realidade.
    Outro aspecto que achei interessante foi que a história se passou inteiramente no subúrbio, diferente de tantas e tantas novelas ambientadas na Zona Sul que mostram apenas lugares bonitos, ambientes ricos, de ostentação e de luxo. A realidade da maioria do povo brasileiro está muito distante da riqueza e do luxo, acho que foi por isso que as pessoas se identificaram tanto, principalmente os cariocas da Zona Norte. Eles se viram ali representados. É pela Avenida Brasil, uma das principais artérias da cidade do Rio de Janeiro que milhares de pessoas passam diariamente para ir ao trabalho. Às margens da Avenida Brasil encontram-se dezenas de bairros onde vive grande parte da população. A Avenida Brasil é entrada e saída de uma das cidades mais importantes do país e do mundo, é por onde chegam e saem os mais diversos produtos que movimentam a economia da cidade, do Estado e de todo país, já que ela está ligada à Rodovia Presidente Dutra. Acho que isso também foi fator importante no sucesso da novela. Além disso, todo bairro carioca tem o seu “Bar do Silas”, tem o seu “Divino Futebol Clube”, tem seus bailes tradicionais sejam de Charme, Pagode, Gafieira, Funk, de Dança de Salão e outros, e tem, claro, os seus filhos ilustres: Tufão era para o Divino o que o Zico é para Quintino, o Ronaldo Fenômeno é para Bento Ribeiro, o Romário é para a Penha, o Zeca Pagodinho é para Xerém, o Noel Rosa foi para Vila Isabel, o Cartola foi para o Morro da Mangueira, etc.
    Por tudo isso, acho que Avenida Brasil foi mais uma trama construída com inteligência e competência, embora tenha tido seus altos e baixos, tenha sido exagerada em alguns aspectos e omissa em outros, mas que, ao final, deu ao público o que ele sempre espera de uma novela: a vitória do bem.
    Quanto aos personagens imorais ou amorais, ah, isso tem em todo lugar. Não é preciso procurar muito, é só assistir ao Jornal Nacional antes da novela (que agora é Salve Jorge) pra encontrar um monte deles. A diferença é que eles não são de ficção, eles são reais e, ao contrário dos vilões das novelas que na maioria das vezes são punidos no final, eles são absolvidos e continuarão a desempenhar seus papéis, seja em frente às câmeras ou distante delas.
   Parabéns a todos os profissionais que trabalharam em Avenida Brasil, em especial aqueles que nós não vimos, que estiveram nos bastidores, mas que também merecem nossa  admiração e respeito.
 
 
 
 
 
 
 
Jorgenete Pereira Coelho
Enviado por Jorgenete Pereira Coelho em 25/10/2012
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