INESPERADA E CRUEL

Ela é como praga repentina, um bicho de sete cabeças, brusca, inopinada, inesperada, cruel e insaciável. Chega assim e se instala sem pressa, queima, mata a alegria, pisoteia, maltrata, mastiga sem engolir, tritura até jamais cansar, e não querendo nunca sair, arrasando, angustiando, magoando, quase matando de tão forte. E ao se acomodar em qualquer ponto sensível, em silêncio e à vontade, toma de conta, se arvora no direito de não ter misericórdia, de se perpetuar latente, de chacoalhar, torcer, ferir e continuar cada vez mais intensa e desproporcional, mais rude e bestial.

E devagar, porém firme e latente, a infeliz vai lembrando que não se foi, não, efetivamente ela permanece ali, a desgraçada continua disposta a prolongar o sofrimento, a maltratar e caçoar sem dó, e faz isso de maneira desumana, de forma primitiva e bárbara, tranquila e fria, longe da piedade. É quase uma punhalada desferida a esmo, um rolo compressor esmagando seus gritos, sua alma, sua existência. Nada a acalma a priori, tem a força das bombas, o ímpeto das tempestades, o vigor dos gigantes ameaçadores, a fúria impactante dos tufões dos tufões desesperados e ansiosos por vítimas inocentes.

Refiro-me à dor, essa imensa bocarra faminta destruidora do sossego, aviltante da paz, ignomínia da humanidade. Porque ao seu surgir tudo muda, a vida se transforma, a paciência acaba, um fulgor intermitente se espraia pelo corpo, picando-o à guisa de mil punhais. Ela, a dor, vem para destruir vontades, minar determinações, assumir o comando do elemento por ela contaminado. Que sofre com esse domínio forçado, que geme, treme, se sacode, grita, implora, chora e berra para se livrar do suplício. Essa indesejada dor, incômoda e impertinente como tudo que não se quer na vida, desencoraja, abala, põe para baixo qualquer cristão ou pagão desprevenido.

Dor que não passa, que corrói a carne paulatinamente, que faz parecer que o local dolorido apodreceu, morreu estando vivo, não serve mais, porém sem deixar de causar sofrimento, se foi sem nunca ter ido, não existe, desapareceu, mas estando lá provocando o terror, o tormento, o horror. Então, o pobre sofredor apela para a farmacinha de casa, procura um analgésico e toma qualquer comprimido, o primeiro que vê à sua frente, engole-o freneticamente e espera acontecer o alívio, contudo a automedicação não faz efeito, não consegur dar jeito na dor.

Ao depois, cansando de tanta angústia, de tanta dor, o indivíduo resolve ir ao pronto-socorro com a necessária ajuda de alguém, um parente, um amigo, e se toca que nem pode mais andar, precisa ser amparado para chegar até ao carro pois já está podre a parte do corpo que lhe dói, pelo menos essa é a impressão em sua mente, e tudo que agora ansiosamente anela é entregar-se nas mãos dalgum médico e implorar que lhe aplique uma injeção de qualquer substância medicinal a fim de parar o seu holocausto.

Quando, por fim, o clínico que o atende, depois de fazer várias perguntas enquanto a dor só aumenta, prescreve os remédios a serem aplicados pela enfermeira de plantão e, finalmente, a agulha hipodérmica da seringa adentra sua veia e o líquido medicamentoso suavemente passa a ser parte integrante de sua circulação sanguínea, o sujeito sente paulatinamente um leve princípio de alívio e se deixa sorrir, chorar mesmo de alegria já que a partir daquele momento a miserável da dor, por fim, irá desaparecer sob o poder milagroso do coquetel de remédios entrando em seu organismo e unindo-se a ele como um verdadeiro exército combatendo o mal que o acometia. A dor, mesmo nos seus últimos estertores, ainda busca consolidar-se, mas perde a batalha para o conhecimento científico dos homens, que há milênios lutam para expulsá-la de vez de seus caminhos embora ela sempre volte para infernizar, sufocar e, tantas vezes, matar.

Gilbamar de Oliveira Bezerra
Enviado por Gilbamar de Oliveira Bezerra em 24/10/2012
Código do texto: T3950581
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