Sobre um episodio de afogamento
Moro perto da praia e, mais de uma vez, ajudei pessoas a sair do mar.
Um desses eventos teve certas características surpreendentes:
O mar estava muito agitado e baixo, ondas muito fortes se agigantavam mais distantes da areia que de costume. Decidi entrar apenas até o joelho, e me molhar ali, em uma parte bem rasa. Com meus olhos míopes, notei que, há uns cinquenta metros, quase, um outro homem fazia o mesmo. Percebi, no entanto, para minha surpresa, que ele, muitíssimo arrojadamente, enfrentava a poderosa ressaca encarando a imensidão das ondas.
Permaneci por longos momentos contemplando a cena, incapaz de me decidir, devido à minha miopia forte. Mas após certo tempo, tive a convicção de que o homem se desesperava. Poucos dias depois, na mesma semana, creio, fui eu mesmo carregado pelas ondas, sem que eu pretendesse encará-las, o mar é traiçoeiro.
Tendo constatado o desespero do homem resolvi chamar alguém para ajudar no resgate; logo ás minhas costas, um jovem parecia pensar exatamente no mesmo, combinamos o salvamento.
Quando o homem veio, trazido por uma onda, segurei-o com uma das mãos e o puxei fortemente, enquanto, com a outa mão, me mantinha seguro pelo outro homem. Um salva-vidas chegou logo em seguida; segurou e puxou o homem pela outra mão.
Ao chegar à areia, o afogado foi tomado por uma estranha crise; misturava choro e brados, lágrimas e sorrisos. Muito contrito, erguia os bracos aos céus e bradava a deus com todas as forças, caindo de joelhos na areia em seguida, repetindo a cena dezenas de vezes.
O inusitado da cena me obrigou a avaliar a situação. O homem havia sido tragado pelas ondas imensas, como se carregado por uma imensa mão aquática. Em seguida, havia lutado desesperadamente com a força descomunal das vagas, para ser salvo por nós, apesar de certo risco. Contudo, o homem se esqueceu desse último fato, e não mais nos percebeu; imerso no transe místico que o levara àquela espécie de delírio fervoroso, o homem agradeceu a deus seguidamente; parecia já ter se esquecido que fora a nossa mão que o resgatara das águas, e que, a considerar a existência de outra mão, muito mais poderosa que a nossa, essa o teria carregado para as ondas. No entanto, aos olhos do homem, era essa a única mão que merecia algum agradecimento. Curiosos os pontos de vista.