UM HOMEM CHAMADO SEU MANÉ...

Esta semana o rádio mossoroense perdeu um dos seus mais ilustres representantes: Manoel Alves de Oliveira. Seu Mané da Rural, como era conhecido, passou para o andar de cima, depois de 72 anos de vida e 49 deles dedicados à locução.

Eu o conheci pessoalmente. Acho que “todo mundo” de Mossoró o conhecia. Figura emblemática e, principalmente, carismática, era, na verdade, uma pessoa de hábitos simples, de fala mansa, autodidata e uma pessoa totalmente desprovida de malícia.

A minha história com seu Mané começou quando eu tinha de 13 para 14 anos, época em que eu ia passar as férias na fazenda dos meus pais – entre Assu e Ipanguassu, na localidade de Base Física – e por lá ficava uns 15 dias. Quando voltava, era encarregado de trazer um “saco” de cartas dos moradores de lá para serem lidas no programa de seu Mané, chamado Notas e Avisos (talvez a maior audiência de um programa de rádio no Rio Grande do Norte e, quiçá, proporcionalmente, a maior audiência de um programa, no gênero, de rádio em todos os tempos).

Depois, quando voltei do sudeste e me casei, seu Mané era a minha companhia, aos sábados e domingos, lá no bar de São João Alfredo – o “Jatoba”, onde conversávamos e tomávamos os aperitivos costumeiros dos finais de semana. Não só eu. A vizinhança toda, pois sempre foi muito querido e, por causa disso, o caldo de feijão, o pedaço de galinha e a farofa com tripa torrada não faltavam para o tira-gosto.

Mas falar de seu Mané é falar da festa de São João Batista, no largo da Doze anos, e dos famosos leilões chamados por ele. Tempos em que uma galinha saía, na chamada, pelo valor de garrote e um garrote pelo preço de um carro popular. Mas tinha uma coisa: quando seu Mané oferecia uma prenda e um cidadão dizia “dou tanto para seu Mané”, o dou-lhe uma, dou-lhe duas e dou-lhe três era quase uníssono. Não dava nem tempo de alguém rebater o preço. Era uma figura, de fato, folclórica.

E o que dizer da Mais Bela Voz?! Era o cartão-postal de seu Mané. Nunca usava o script. Improvisar era o seu lema e sempre dava certo. Porém, foi com o seu programa “Show das Dez”, num estúdio improvisado na própria Rádio Rural, que seu Mané descobriu vários talentos, dentre eles, o mais famoso: Bastinho Silva, ou melhor, Bartô Galeno.

Em 2008 , quando eu fazia uma graduação em Comunicação Social, preocupado com o patrimônio cultural de nossa terra – alguns vivos ainda, eu, numa reunião lá na FAFIC (Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Mossoró), pedi a palavra e lembrei a todos da necessidade de se preservar o símbolo, o artista, o ídolo. Lembrei-lhes do fato de um dia ter ido à Estação das Artes à procura de material que falasse sobre Eliseu Ventania e o atendente, depois que expus o que desejava, haver me perguntado: quem é esse tal de Eliseu Ventania? (Este fato também ocorreu, numa outra ocasião, com um grupo de alunos que estavam fazendo um documentário sobre o poeta, repentista, cordelista e cancioneiro popular que dá nome à praça de eventos).

Devido a isto, o nosso grupo resolveu fazer um documentário sobre seu Mané. Eu fui encarregado de entrevistá-lo. Foi fácil. Além de conhecê-lo, ter acesso a ele e ele ser meu amigo, ainda por cima, todos os dias, depois que ele terminava o programa que fazia às cinco da manhã, vinha para a vendinha de Fransquim, que fica na rua em que moro, digamos, “tomar uma”, antes de ir, de bicicleta, “bater” lá no 30 de Setembro, deixar a “feira” diária para a sua esposa.

E foi na calçada da vendinha, às sete horas da manhã, que eu o entrevistei. Ele me contou como começou no rádio – como controlista (hoje sonoplasta) – e como foi que se tornou o locutor. Falou com emoção do dia da inauguração da Rádio Rural, das autoridades presentes (presidente João Goulart, governador Aluísio Alves, prefeito Dix-Huit Rosado e bispo Dom Gentil Diniz Barreto) e de como o papel do rádio era voltado para o social. Num determinado trecho da entrevista, eu perguntei a ele em que ele se espelhava para fazer o programa. Ele respondeu rapidamente: na ética e na honestidade – tanto do locutor quanto da Emissora. Disse que ele não se permitia dupla interpretação de suas palavras, nem fazia uso de palavras de cunho pornográfico. E se emocionou quando falou de um dia em que foi reconhecido no caixa de um supermercado: “eu estava num supermercado e quando fui passar pelo caixa e falei uma frase qualquer, a operadora de caixa, muito jovem, olhou para mim e perguntou: ‘o Senhor é o Seu Mané da Rural?’ Diante da minha afirmação, ela disse: assisto toda manhã o seu programa, às 05h00mim, na hora em que me levanto para vir trabalhar. E sabe por que eu me acostumei a fazer isso? Porque o senhor não fala coisas feias, nem pornografias; pelo contrário, o senhor tem sempre uma mensagem otimista, que nos deixa muito positivos durante o dia”.

Nesta entrevista, seu Mané falou sobre a sua passagem pela Rádio Rural de Currais Novos, sobre Monsenhor Américo – a pessoa a quem mais admirava na Terra – e disse que conselho dado por ele, era seguido sem questionar.

Por fim, ele falou sobre as mudanças ocorridas no Rádio e como ele sobrevive através de um novo formato. Porém, disse ele, “eu gostaria que nunca mudasse a essência de se fazer radialismo. Gostaria que se respeitasse, como se fazia antigamente, as datas solenes – mesmo as tristes – e fosse dedicado a elas o devido respeito, que outrora se dedicava. Hoje já não se tem mais respeito com o Dia de Finados e as rádios tocam todo tipo de música, menos as indicadas para o dia; não se respeita mais o desaparecimento de uma pessoa pública; não se comemora as datas cívicas com músicas e programação especiais para o evento; enfim, se faz necessário toda uma reflexão sobre o assunto para que os comunicadores, leigos, do passado, não tenham cortada essa linha entre o ontem e o hoje do radialismo brasileiro".

E encerrou dizendo: “quero agradecer por me procurar para essa conversa e dizer que o que me faz ter orgulho, de ser o que sou, são as referências ditas ao meu respeito, como as que ouvi do Padre Flávio Augusto, atual administrador da Emissora, no dia que tomou posse, quando da sua fala perante todos os funcionários da empresa: 'Seu Mané é referência do Rádio Mossoroense e principal ponto de equilíbrio da Rádio Rural’”.

E, seu Mané, encerro esta crônica com uma frase sua, dita todos os dias em seus programas: “aqui é seu Mané da Rádio Rural, sempre amando e querendo bem...” Descanse em paz!

Obs. Crônica publicada no jornal Gazeta do Oeste (22/10/12)
Raimundo Antonio de Souza Lopes
Enviado por Raimundo Antonio de Souza Lopes em 24/10/2012
Reeditado em 21/04/2019
Código do texto: T3949102
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