O ULTIMO ADEUS
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 A majestosa fazenda CHAGAS continuava lá, exatamente como eu me lembrava. O casarão bem cuidado, a cancela de tabuas entrelaçadas pintada de verde, assim como as portas e janelas na mesma tonalidade. Olhei para as paredes brancas e altas, enquanto meu coração se enchia de tristes lembranças, recordações do dia em que fui obrigada a deixar tudo para trás.
 O tempo correu depressa, há muitos e muitos a
nos eu não avistava a beleza daquele casarão. Como foi difícil adentrar aquela cancela... Como foi difícil chegar até o alpendre onde já tinha inúmeras pessoas para prestar as ultimas homenagens ao patriarca daquela família... Meu avô.
 Segui em frente, cortando caminho por pessoas de meu sangue, pessoas que me odiavam, pessoas que fizeram questão de esquecer quem eu era. Foi o caminho mais longo que já percorri.

 Muitas lembranças permaneciam vivas em minha memória, lembranças bonitas, lembranças saudosas... A saudade que o tempo nunca apagou.
 
 Meus momentos com aquela família foram poucos, mas sempre memoráveis. 

 Desde muito pequena já acompanhava meu pai em suas idas aquela fazenda, não importava se era a negócios ou uma simples visita que ele fazia aos pais, sempre me levava e eu adorava esses passeios.
 Meu irmão desde cedo já se negava aos convites de papai para acompanha-lo. Já minha pequena irmã era apenas um bebê. É uma pena que ela não compartilhe comigo de todo o acontecimento de outrora.

 Meu pai apostava todas suas fichas em mim, e tenho certeza, se o destino não tivesse traçado um caminho diferente, eu hoje seria uma excelente fazendeira, sempre adorei o campo e os animais.
 E enquanto entrava no casarão sentia o peso daqueles olhares sobre mim. Não tinha como negar, desde pequena já ouvia todos dizerem que dos filhos de papai eu era a única que tinha os traços dos Chagas. E mesmo aqueles que não me conheciam, bem sabiam quem eu era. Meus tios e primos me olhavam como se eu tivesse lepra, mas eu era uma Chagas, tinha tanto direito quanto eles de estar ali.
 
 Meu irmão não quis ir comigo ao enterro de nosso avô. Ele tem os motivos dele, e eu os conheço.

 Cheguei naquela fazenda por um impulso, ou talvez muita sorte, afinal, se não é pelo caseiro de nosso sitio que ficou sabendo do óbito de meu avô, com certeza ninguém nos avisaria. Essa seria a única ou talvez ultima oportunidade de conhecer o tumulo do meu pai.
 Na época do funeral de meu pai, alem de ser muito 
 pequena era tudo muito confuso. Mesmo tentando entender não sabia por que minha mãe não estava sendo enterrada com ele no cemitério da fazenda, e depois foram tantas as duvidas que terminei achando não ser ele merecedor de ser enterrado com mamãe... Mas disso talvez falarei em outra ocasião. Talvez.
Confesso que o funeral de meu avô foi à madrugada mais angustiante de minha vida. Depois de observar aquele corpo sem vida que em outros tempos soube conquistar o respeito de todos naquela região, me sentei próximo ao ataúde e ali fiquei.
 Vez ou outra aparecia uma empregada ou vizinho para oferecer um café ou um biscoito que dificilmente aceitava. Tinha como companhia só meus pensamentos, uma tia 
 talvez por pena, não sei, lá pelas tantas da madrugada sentou-se alguns minutos ao meu lado. E depois de perguntar por meus irmãos se afastou. Acho que com medo de represálias dos irmãos ou até dos filhos. Eu era uma estranha. Era do sangue deles, mas gostavam de se lembrar de mim como uma intrusa. Eu bem sei e talvez até os entenda... Sou a criança que viu toda a verdade e se calou. Por medo? Talvez. Agora não importa mais, pois nunca me entenderão.
 Quando minha tia saiu de meu lado, continuei sozinha com
 meus pensamentos, não sentia vontade de chorar, só uma leve angustia. Remorso.
 Voltando a olhar aquele homem de semblante tão sereno em seu caixão, não pude deixar de recordar meus tempos de criança, quando vinha aquela fazenda. Enquanto meu pai tratava de negócios com meu avô e meus tios, eu ficava sobre a responsabilidade de minha avó... Coitada, eu adorava correr atrás dos guines só para vê-los cantando: TOUFRACO,TOUFRACO,TOUFRACO...
Minha avó não tinha sossego tentando me alcançar! Não sei se era por medo que eu me machucasse ou machucasse os bichinhos, acho que ela se sentia aliviada quando meu pai me pegava para voltar.

 Meu avô tinha aquele jeito arrogante, talvez não soubesse dizer “TE AMO”, mas em suas atitudes deixava claro que sabia amar.
 Depois que meus pais morreram não voltei mais àquela família, mesmo em raras ocasiões quando encontrava algum deles na cidade enquanto estávamos indo ao nosso sitio, sempre os olhava como os parentes do meu pai... Foi assim que me ensinaram desde de minha mais terna idade...  
 Mesmo que manifestasse vontade de vê-los, nunca me foi permitido. Sim, eu cresci induzida a odia-los, talvez o mesmo ódio que hoje meus tios sentem por nós.

 Foi triste descobrir tão tarde que aquele velho, que tanto me ensinaram a odiar, sabia a verdade desde sempre. Ele
 aturou o ódio dos netos sem defender-se, acreditando que assim não destruiria mais um membro da família:
- Há, meu avô... Se você soubesse que com a verdade tudo seria diferente pra mim, meus tios  acreditariam que não foi proposital meu testemunho, eu não teria passado toda uma vida perdida em pesadelos, não teria sido induzida a odia-los tanto quanto odiei meu pai... Você foi um grande homem meu avô. De certo é mais um que hoje levará para o tumulo nosso segredo de família... E eu? Terminarei como vocês? Terminará o verdadeiro culpado impune?
 

 Depois de uma noite angustiante por fim amanhece o dia, o cortejo segue em direção ao velho cemitério da fazenda onde já descansava quatro gerações da família Chagas.
 Uma população interiorana, inteira acompanhava o velho Chagas a sua ultima morada, propositalmente me mantive a distancia da multidão, poucos me notaram ou prestarão atenção em mim. Melhor assim. Não queria ser notada mesmo, meu único intuito era chegar até o cemitério particular da família...

 Não foi difícil encontrar o tumulo do meu pai, apesar do tempo foi ele o ultimo membro a ser enterrado. Sua foto em moldura de bronze já estava desbotada pelo tempo, mas seu sorriso era o mesmo que sorria pra mim quando criança. O velho mausoléu estava bem conservado, não sei se proposital ou não, as flores tinham sido trocadas recentemente. Depois de depositar as que trazia nos braços, pude por fim chorar tudo que não tinham deixado eu chorar nos longos desses anos todos...
 Pronto. Tinha finalmente matado meu desejo ou cumprido minha missão, sem esperar as ultimas homenagens ao meu avô, sai sem que ninguém sentisse minha falta.
 Já bem distante olhei pra traz e vi o caixão de meu avô descer a sepultura. Mais um membro para aquela terra santa.
Meu tataravô, meu bisavô, meu avô e meu pai... Não necessariamente nesta ordem, muitos Chagas ainda seriam enterrados ali, mas com certeza, eu não seria um deles!
 Da família Chagas agora só ouviria noticias através de nossos advogados.
A você Vovô, este é meu ultimo adeus...


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Zeni Silveira
Enviado por Zeni Silveira em 23/10/2012
Código do texto: T3948601
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